‘É uma violência velada’
A deputada Delegada Katarina (PSD-SE) diz que o machismo no Congresso opera muitas vezes de forma sutil, mas poderosa. “É uma violência velada, que tenta minar as nossas forças e nos desestimular a estar ali. Aquela que se impõe, acaba sofrendo mais, mas temos que reagir.”
A deputada, única mulher na Mesa Diretora, relembra um episódio em que presidiu uma sessão da Câmara, em fevereiro. Na ocasião, aliados do governo e do ex-presidente Jair Bolsonaro começaram a discutir, a ponto de inviabilizar a sessão, e ignoraram o apelo da deputada para voltarem ao silêncio. “Eu queria muito acreditar que se fosse um homem ali seria a mesma coisa”, diz a parlamentar.
Atualmente, apenas 18% das cadeiras da Câmara são ocupadas por mulheres — 99 entre os 555 nomes que compõem a legislatura, considerando titulares e suplentes.
No Senado, são 16 mulheres entre 81 senadores (19,75%). Isso contrasta com os 51,5% da população brasileira que é feminina, segundo o IBGE.
O que é violência política de gênero?
Segundo a Secretaria da Mulher, a violência política de gênero pode ser caracterizada como todo e qualquer ato com o objetivo de excluir a mulher do espaço político, impedir ou restringir seu acesso ou induzi-la a tomar decisões contrárias à sua vontade.
As mulheres podem sofrer violência quando concorrem, já eleitas e também durante o mandato.
A violência pode ocorrer tanto no meio virtual (com ataques em suas páginas, fake news e deepfakes) quanto nas ruas, quando são vítimas de agressões de eleitores. Além disso, a violência pode ocorrer, inclusive, dentro de casa.
Como denunciar? Na Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180. O serviço também fornece informações sobre os direitos da mulher, como os locais de atendimento mais próximos e apropriados para cada caso. A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, em todo o território nacional.
‘Já fui agredida fisicamente’
Com 34 anos de mandato, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) afirma que já enfrentou agressões físicas e ameaças dentro do Congresso. “É desenergizante. Esse tipo de violência desgasta nossa energia, que deveria estar sendo gasta com a política. A violência de gênero sempre existiu, mas antes não era nomeada.”
Em uma sessão recente da Comissão de Cultura, Jandira foi ameaçada pelo deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP), que afirmou que, fora do parlamento, bastaria “prender ou atirar” em quem discordasse.
Ela também relatou que projetos com a palavra “gênero” sofrem rejeição automática: “Nem mesmo quando se trata de ‘gênero alimentício’. Eles não aceitam nem o vocabulário.”
‘Querem nos desqualificar’
A deputada Rosana Valle (PL-SP) afirma que já foi descredibilizada por colegas em reuniões da Comissão de Viação e Transportes, por ser mulher em um ambiente tradicionalmente masculino. “Às vezes não vem com grito, mas com desdém. Interrupções, explicações desnecessárias, tentativas de desqualificar o que acabamos de falar.”
Ela defende cotas temporárias para mulheres, inclusive na ocupação de cadeiras no Congresso, e não apenas na disputa eleitoral. “Nós queremos ser eleitas pela nossa capacidade, mas o ambiente precisa deixar isso possível.”
Lugar simbólico
A senadora Daniella Ribeiro (PP-PB) menciona que durante eventos parlamentares, organizadores já pediram que ela cedesse o lugar para um homem. As situações ocorriam mesmo quando a paraibana ocupava cargos mais elevados.
“Eu respondo ‘não vou me levantar’, sou incisiva. Mas, perdemos o debate do evento, ficamos nos questionando o motivo da interrupção. ‘Por que só com a mulher?’”, questiona a senadora.
A paraibana, que presidiu a Comissão Mista Orçamentária, conta que também sofreu machismo quando relatou, durante o governo Bolsonaro, um projeto que mudava a outorga de concessões na telecomunicação.
“Um dia depois que fiz o discurso da sanção da PL, em reunião na Residência Oficial, um general do Bolsonaro me cumprimentou e falou que a esposa dele havia perguntado quem eu era, e ele teve que responder que eu era uma assessora, porque senão daria ‘problema em casa’”, comenta.
A parlamentar ainda completa, “para mim, ele destratou tanto o cargo de assessora, quanto a minha função legislativa. Foi a maior grosseria, é indignante, precisamos falar muito mais sobre isso”.
‘Incômodo por ser contestado por uma mulher’
A senadora Teresa Leitão (PT-PE) diz que não presenciou episódios explícitos no Senado, mas percebe um incômodo visível de colegas ao serem contestados por mulheres. “A política, para os homens, é naturalizada. O espaço público é o último que conquistamos ao longo da história. Não podemos retroceder.”
Ela também defende que o Senado avance em medidas estruturantes para fortalecer candidaturas femininas, como cotas de cadeiras e mais tempo de TV.
Denúncias de violência política de gênero
Desde 2013, a Secretaria da Mulher da Câmara recebeu 86 denúncias formais de violência política de gênero — interrupções, ameaças, constrangimentos, racismo, representação por decoro e até adesivos sexistas.
Veja os números por ano:
- 2021: 8 casos
- 2022: 15 casos
- 2023: 22 casos
- 2024: 23 casos (recorde)
- 2025: 3 registros até abril
A partir de 2021, a criação de uma lei específica contra violência política de gênero permitiu que os casos fossem formalmente denunciados. A lei prevê pena de 1 a 4 anos de prisão e multa, além da proibição de propaganda eleitoral que deprecie a condição da mulher.
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