Eu vim do mato, da matriz do avelós e da flor do mandacaru. Me criei entre o velame da caatinga e a macambira, como diz uma canção de Petrúcio Amorim. Na pia batismal, fui abençoado pela água poética do rio Pajeú. Sertão, como diz Guimarães Rosa, é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o lugar. Viver é muito perigoso.
Ficando no Sertão do Pajeú, em Afogados da Ingazeira, só estive frente a frente com o mar aos 17 anos. Tomei um susto! Olhei em direção ao seu infinito azul e murmurei: “misericórdia”. Com o tempo, o mar passou a me fazer um bem danado. Me encanta. Enxergo em seu infinito os olhos de uma mulher. Olhos de mulher são tão profundos quanto o mar e tão misteriosos quanto a noite.
Há uma espécie de céu no mar, onde as raias voam como pássaros, as estrelas dormem na areia e as nuvens enfeitam o espaço azul. O mar inspira e inspirou muita gente. Para o escritor francês Júlio Verne, o mar é tudo. “Ele cobre sete décimos do globo terrestre. Seu sopro é puro e saudável. É um deserto imenso, onde o homem jamais está sozinho, pois sente a vida se movimentando por todos os lados”, escreveu.
Leia maisO mar também rima com musicalidade. “Quantos risos misturei ao som das águas. Quantas lágrimas de amor molhei no mar”, canta o músico e poeta Arnaldo Antunes. Rachel de Queiroz, cuja obra-prima O Quinze acabei de reler, sertaneja como eu, não resistiu ao encanto do mar. “Ah… O mar… Espécie de céu líquido sem fim”, escreveu.
Adélia Prado, escritora que inspirou Rubem Alves, meu cronista preferido, disse que para o desejo do seu coração, o mar é uma gota d’água. Meu pai Gastão era tão sertanejo que nunca botou os pés nas areias de uma praia nem sentiu o sal das águas do mar. Mas amou muito o mar à distância, contemplando a lua cheia nascendo pela ribanceira do rio Pajeú.
Mas quem não ama o mar? Ama-se pela sua imensidão, beleza e força. Ele nos inspira, nos relaxa e parece até lavar a nossa alma. Nas ondas do mar, sinto a presença divina, que me acalma, me renova e me lembra da grandiosidade da criação. Em sua bondade, Deus fez o mar para nos lembrar da beleza infinita que ele criou em cada canto do mundo.
O vai e vem das suas ondas, o balanço das águas e a brisa suave têm o incrível poder de acalmar. Em seus mais diversos tons, não me canso de admirar. Guimarães Rosa, de Grande Sertão Veredas, escreveu que o mar não tem desenho, o vento não deixa. O tamanho. Foi Fernando Pessoa que nos ensinou a máxima depois de se embriagar com o mar: “Navegar é preciso, viver não é preciso”.
Mar nos reporta a pés descalços na areia, brisa, fim de tarde tranquilo, música boa, sem relógio, despertador ou qualquer coisa que mostre o tempo passando. Acho que foi no mar também que o grande Carlos Drummond de Andrade testificou: “O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar”.
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