Por Luiz Fernando Vianna
Especial para O Globo
Tom Jobim brincava (ou nem tanto) que o Brasil não gosta de quem faz sucesso, dos que têm muito talento. Trinta anos após sua morte, completados neste domingo (8), o compositor prova que, ao menos no seu caso, estava errado. Perto de ser uma unanimidade, é devidamente reconhecido aqui e no exterior. Está vivo na música e também na memória dos que lhe foram próximos.
— Falo com ele todo dia — afirma a viúva, Ana Lontra Jobim, que cuida dos direitos autorais relativos à obra do marido. — Minha cabeça não vive sem referências dele. Na hora de tomar decisões, penso no que ele gostaria.
‘Um dos maiores criadores de canções’
O violonista, crítico e escritor Arthur Nestrovski, que realizou com a cantora Paula Morelenbaum uma série de seis vídeos sobre o maestro para a revista piauí e está lançando o álbum “Jobim canção”, diz que “o mínimo que dá para dizer é que é um dos maiores criadores de canções de todos os tempos e todos os repertórios”.
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— Ponho as canções de Tom Jobim na mesma estante das de Schumann, Schubert ou quem você quiser. Talvez um pouco mais alto, dependendo da canção — exalta ele.
Paula integrou a Banda Nova, que acompanhava Tom, de 1984 até a morte dele. Diz que foram dez anos que mudaram a sua vida. Aprofundou-se na obra jobiniana ao lado do próprio autor, que gostava de lhe escalar para solos.
Na hora de montar o repertório de “Jobim canção” com Nestrovski, quis incluir apenas músicas que nunca gravara em seus próprios discos, como “Caminhos cruzados”, “Wave” e “Eu não existo com você” (em duo com José Miguel Wisnik).
— Não posso me repetir com um repertório tão vasto. Tom Jobim jamais pode ser lugar-comum. Não quero me sentir confortável — justifica ela, que está em uma turnê pela Ásia interpretando, em grande parte, canções de seu amigo-ídolo. — É o grande compositor brasileiro. E outros carregam Tom nas suas músicas, como Edu (Lobo) e Chico (Buarque).
‘A morte foi um choque’
Danilo Caymmi também fez parte da Banda Nova pela década que ela existiu. Cantava e tocava flauta. Neste domingo (8), às 20h, apresenta no Vivo Rio o show “Um Tom sobre Jobim” ao lado da cantora americana Stacey Kent. Ressalta a simplicidade do maestro enquanto lembra histórias que viveu.
— Ele praticamente me descobriu como cantor. Logo me delegou “Samba do avião” e “A felicidade”. Quando eu perguntei por que ele não cantava esses dois clássicos, veio com uma daquelas: “Tenho a voz meio abafada ao alho” — conta Danilo, filho mais novo de Dorival, grande amigo de Tom.
O compositor repetia, com ironia, uma pergunta que ouviu por mais de três décadas: “Tom Jobim, o que é a bossa nova?”. Gostava da resposta do baterista Paulo Braga: “É a euforia controlada”. E complementava: “Na bossa nova não se pode suar”. Ao fim de um ensaio, dizia para a banda: “Bossa nova, descansar!”.
— Vi muita coisa ser feita, como “Querida”, que me pareceu uma canção que falava da finitude — diz Danilo, pensando em versos como “Longa é arte/ Tão breve a vida”. — Ele escondeu da gente o processo da doença. A morte foi um choque.
Depois de gravar o que seria seu último disco, “Antonio Brasileiro”, o compositor se queixou ao seu médico de problemas urinários. Em 2 de dezembro, passou por uma cirurgia no hospital Mount Sinai, em Nova York. Enquanto se recuperava, teve embolia pulmonar e a parada cardíaca. Morreu no dia 8.
Stacey Kent vivia em Nova York quando, aos 14 anos, em 1979, escutou o disco “Getz/Gilberto” e ficou fascinada por João Gilberto. Logo percebeu que a maioria das músicas era de um tal Antonio Carlos Jobim. Começava uma paixão que nunca arrefeceu.
— Quando descobri a música de Jobim e a voz e o violão de João Gilberto, descobri a minha sensibilidade. Eu era emocional, sem ser dramática, e otimista, mas um pouco melancólica. São as mesmas características daquelas músicas. Pensei: “Eu sinto essa música. Eu sou essa música” — recorda Stacey.
Várias canções de Tom estão em seus álbuns. Com facilidade para aprender línguas (domina latim, francês, italiano e alemão), fala bem português e canta no idioma. Mas seu maior sucesso é uma versão em francês de “Águas de março”, com mais de 60 milhões de plays no Spotify.
— Mesmo sem compreender a letra, é possível entender o que essa música simboliza — acredita. — Fala do nada, de coisas pequenas e também de coisas grandes. Explica a vida. Dá vontade de a gente compartilhar.
Ela garante que o show deste domingo — que terá a participação do flautista e saxofonista Jim Tomlimson, marido de Stacey, e no repertório canções como “Luiza”, “Gabriela”, “Por causa de você” e “Estrada do sol” — não será nada triste, apesar de marcar 30 anos de morte:
— Vamos festejar a vida e o universo de Jobim.
Preparativos para o centenário
Embora muito satisfeita com as homenagens feitas ao marido, Ana Jobim também diz preferir celebrar a vida de Tom. No caso, o centenário de nascimento dele, a ser completado em 25 de janeiro de 2027. Está preparando uma fotobiografia com imagens feitas por ela mesma e por outros fotógrafos.
Na lista de celebrações do compositor está a exposição “Tom Jobim: discos solo”, que reúne informações e vídeos sobre 12 álbuns no Instituto Antonio Carlos Jobim, no Jardim Botânico, com curadoria de Aluísio Didier.
Também está em cartaz, no Teatro Casa Grande, no Leblon, a peça “Tom Jobim musical”, com texto de Nelson Motta e direção de João Fonseca.
E, além de “Jobim canção”, há outra novidade fonográfica: “Minha alma canta”, que reúne 14 participações de Tom em songbooks feitos por Almir Chediak, chegou anteontem às plataformas de áudio.
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