Por José Américo Silva*
A prisão de Jair Bolsonaro e dos principais aliados condenados pela tentativa de ruptura institucional reorganizou, de maneira abrupta, o tabuleiro político brasileiro. Se os bolsonaristas tentam transformar o episódio numa campanha emocional de mobilização nacional pela anistia ampla, geral e irrestrita, o fato é que essa comoção não se materializou nas ruas. O máximo que se projeta é um forte “oba-oba” digital – uma enxurrada de narrativas, vídeos, hashtags e ataques que promete incendiar as redes sociais. Mas a disputa, ao contrário do que desejam, não encontra eco suficiente fora do ambiente virtual.
O país entra agora numa fase de guerra comunicacional aberta, onde bolsonaristas intensificarão o embate contra a esquerda e contra o governo. Essa batalha discursiva, entretanto, não se converte automaticamente em força institucional. E é justamente nesse ponto que o cenário ganha contornos decisivos: o poder real, hoje, está nas mãos do Centrão.
Leia maisA pauta da anistia não avança por um motivo óbvio e incontornável: o Centrão não quer. E não quer porque a conjuntura lhe oferece, talvez como nunca, a oportunidade de reafirmar seu papel central no jogo político. Com Bolsonaro fragilizado e impossibilitado de comandar o movimento, os partidos do bloco perceberam que podem – e devem – mostrar que nenhuma decisão passa sem o seu carimbo.
Essa demonstração de força tem dois objetivos imediatos. O primeiro é afirmar sua capacidade de veto. Ao deixar claro que a anistia não prospera, o Centrão envia um recado contundente aos bolsonaristas: “nada anda neste Congresso sem nós”. O segundo objetivo é abrir espaço para negociações estratégicas em torno de 2026. Como Bolsonaro só pretende indicar o nome de sua preferência para a disputa presidencial a partir de março do próximo ano, o Centrão utiliza esse intervalo para tensionar, valorizar seu passe e estabelecer condições.
E entre essas condições, uma é inegociável: nenhum Bolsonaro na chapa presidencial. Os líderes do bloco entendem que carregar de novo o sobrenome é carregar também o desgaste, a instabilidade e a sombra permanente de ações judiciais e responsabilizações. Para 2026, o Centrão quer construir um palanque competitivo, com musculatura nacional, mas sem o custo político de um retorno direto da família Bolsonaro ao topo da chapa.
Por isso, tanto na Câmara quanto no Senado, o movimento é claro: segurar, travar, engavetar e, quando necessário, enterrar qualquer agenda que fortaleça a narrativa bolsonarista. A rejeição à anistia funciona como termômetro dessa nova correlação de forças. É o Centrão quem arbitra, quem habilita e quem bloqueia. E faz isso não por convicção ideológica, mas por cálculo – cálculo de poder, de espaço, de domínio sobre o processo decisório.
Nesse ambiente, a direita radical tenta inflamar a opinião pública, mas o Congresso responde com frieza e pragmatismo. Enquanto hashtags sobem e caem, deputados e senadores do bloco consolidam sua posição como fiel da balança. O recado é simples: quem quiser disputar 2026 precisará passar antes pelo balcão do Centrão – e aceitar que é ali, e não em lives inflamadas, que a política real é feita.
O novo cenário pós-prisão revela, portanto, não apenas a fragilidade momentânea do bolsonarismo institucional, mas a ascensão definitiva do Centrão ao papel de protagonista. O bloco conhece seu peso, sabe do seu tamanho e age com cálculo meticuloso. A batalha digital será barulhenta, intensa, talvez selvagem. Mas, no terreno onde os destinos políticos se decidem, a palavra final continua sendo deles.
E o país, mais uma vez, descobre que o poder não grita, negocia.
*Jornalista
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