Por Cláudio Soares*
Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal, instituição que deveria simbolizar equilíbrio, sobriedade e obediência estrita à Constituição, vem acumulando episódios que desgastam sua imagem perante a sociedade. O STF, que deveria ser visto como o guardião da Carta Magna, acabou se tornando protagonista de polêmicas que transcendem a esfera jurídica e avançam perigosamente sobre o campo político.
A relação entre alguns ministros e a vida pública ultrapassa o que se esperaria de magistrados da mais alta Corte. A presença constante na mídia, com entrevistas, declarações e manifestações sobre temas em ebulição política, cria a sensação de que membros do tribunal participam do debate público de maneira ativa – algo que contrasta com a discrição que historicamente se espera do Judiciário. Além disso, a influência de ministros sobre escolhas de novos integrantes do tribunal ou sobre decisões políticas de alta relevância gera ruído institucional, alimentando a percepção de que as fronteiras entre os Poderes se tornaram turvas.
Leia maisA situação se agrava quando surgem questionamentos sobre relações profissionais envolvendo familiares, como esposas com escritórios de advocacia que firmam contratos milionários com entes públicos ou empresas de grande porte. Ainda que tais relações possam ser legais, o impacto na opinião pública é inegável. Cria-se um cenário de suspeita e de conflito de interesses que mina a confiança no tribunal.
Também causa preocupação o relato frequente de interferências em debates legislativos, seja por meio de articulações políticas, seja por declarações que podem ser interpretadas como pressão institucional ou lobby. Tais gestos, mesmo quando motivados por intenções legítimas, ultrapassam o papel de árbitro constitucional reservado ao Supremo.
Recentemente, o ministro Dias Toffoli, relator de um dos casos mais sensíveis em curso – o da investigação do Banco Master –, viajou a Lima, no Peru, para assistir “in loco” à final da Copa Libertadores, no mesmo jatinho privado de um empresário, ao lado de um advogado que representa um dos investigados e do ex-deputado e ex-ministro Aldo Rebelo.
A coincidência entre essa viagem e a posterior decisão de Toffoli de impor “sigilo máximo” ao caso – bem como de transferir para o próprio STF a condução das investigações, retirando-as da Justiça Federal – provocou debates intensos sobre conflito de interesses, imparcialidade e a percepção de autoproteção institucional.
Não bastasse, o fato de que o voo privado pertencia a um empresário com ligações conhecidas ao banco sob investigação, e de que o advogado presente no voo atua diretamente na defesa de um dos investigados, fere, no mínimo, os padrões de distanciamento e transparência que deveriam nortear a conduta de altos magistrados.
Adicionalmente, a já delicada relação entre magistrados e o debate público ficou ainda mais sob escrutínio com as notícias envolvendo o ministro Alexandre de Moraes.
Reportagens de O Globo informaram que Moraes teria mantido múltiplos contatos com o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, incluindo ligações e reuniões presenciais, supostamente para acompanhar ou interceder em questões ligadas ao Banco Master, instituição então no centro de uma investigação por irregularidades bilionárias e em processo de venda ao Banco de Brasília (BRB).
Embora o ministro tenha divulgado notas públicas negando que esses encontros tivessem qualquer objeto relacionado ao caso Master, afirmando que se limitaram a tratar dos efeitos da aplicação da Lei Magnitsky, a sobreposição entre essas conversas e os interesses do banco, somada ao contrato milionário que o escritório de sua esposa mantinha com a mesma instituição, alimentou questionamentos sobre a imparcialidade e os limites éticos da atuação de um integrante da mais alta Corte.
Diante desse ambiente, soa contraditória a iniciativa de criar um novo código de conduta interno. Afinal, a Constituição Federal e a Lei Orgânica da Magistratura já estabelecem parâmetros claros de ética e comportamento. O gesto, embora possa ter valor simbólico, parece admitir que aquilo que está escrito na própria Constituição não tem sido suficiente para orientar a postura de alguns de seus membros.
O resultado desse conjunto de episódios é um profundo desgaste institucional. O STF, que deveria ser exemplo de sobriedade e independência, hoje divide opiniões como se fosse um ator político entre tantos outros. A crítica não é ao papel da Corte – essencial à democracia –, mas à forma como alguns de seus integrantes têm confundido protagonismo com protagonização, autoridade com exposição e independência com onipresença.
Se o Supremo quer recuperar sua autoridade simbólica, será preciso muito mais do que um novo código de conduta. Será necessário resgatar a discrição, a isenção e o compromisso silencioso com o texto constitucional – valores que, embora não estampem manchetes, constroem a credibilidade de uma instituição que deve pairar acima das paixões do dia.
*Advogado e jornalista
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