Tarcísio de Freiras, com essa manobra de cunho político, se aliou ao presidente da Câmara, Hugo Motta, com o duplo objetivo de, inicialmente, tirar o protagonismo do governo Lula na pauta da segurança pública, alterando o projeto de iniciativa do ministério da justiça, intitulado de PL Antifaccão, que passa a ser batizado de Marco Legal de Combate ao Crime Organizado.
Depois, fez o anúncio do Guilherme Derrite como relator, que deixa a secretaria de segurança de São Paulo, volta a ser deputado, para, mascarado de autoridade no assunto, mudar a tipificação do crime organizado no relatório, que passa a ser inquinado de terrorismo e limita a atuação da Polícia Federal no combate ao crime organizado.
É nesse ponto que se revela o segundo objetivo, que é dá a moldura da publicidade e marketing a ação para promover a direita como dona da agenda da segurança pública, cuja solução foi engendrada pelo Deputado Capitão Derrite, que se prepara para ser candidato a senador ou governador de São Paulo.
Perceba que não houve desorganização, houve orientação.
Tarcísio autorizou – e estimulou – a substituição de um texto técnico por um documento politicamente inflamado, juridicamente falho e institucionalmente temerário. O direcionamento do substitutivo produzido por Derrite o afasta da solução técnica, baseada em evidências, não por “acidente administrativo”, mas parte da escolha política: construir um projeto mais útil à narrativa do que ao Estado de Direito.
Ao deslocar o tema da esfera técnica para a esfera de performance, o governo paulista transformou a política criminal em instrumento de autopromoção e tensionamento federativo.
O parecer paralelo: um produto politicamente útil, juridicamente inútil.
O parecer improvisado padece dos vícios clássicos que a doutrina penal há décadas identifica como causas de inconstitucionalidade e de geração de nulidades absolutas:
a) Defeitos de tipificação:
– tipos penais abertos, sem núcleo claro;
– conceitos normativos vagos;
– duplicação e colisão com figuras já existentes;
– ausência de compatibilidade com o sistema punitivo vigente.
b) Violação da taxatividade:
– uso de expressões indeterminadas que permitem interpretação expansiva;
– risco de responsabilização por analogia — vedada pelo art. 5º, XXXIX, CF.
c) Desarmonia sistêmica:
– conflitos diretos com a Lei de Organizações Criminosas;
– sobreposição com o Título de Crimes Hediondos;
– incompatibilidade com entendimento consolidado no STF sobre terrorismo e ordem pública.
d) Potencial de nulidade processual:
– a criação defeituosa de tipos penais gera, como consequência previsível, anulabilidade futura de investigações, denúncias e sentenças.
– trata-se de vulnerabilidade estrutural inoculada dentro do sistema penal por redação apressada.
Tudo isso foi apontado com precisão pelo corpo técnico do governo federal – e ignorado.
Há uma intencionalidade política do erro. Não há dúvida sobre o propósito: transformar o tema em arena de confronto, forçando o governo federal a reagir diante de um projeto desalinhado, para então explorar eleitoralmente a oposição artificial entre “quem combate o crime” e “quem é conivente”.
Trata-se de uma manipulação do processo legislativo para obtenção de capital político, às custas do ordenamento jurídico, do pacto federativo e da segurança pública real.
A manobra, além de irresponsável, desrespeita princípios estruturantes:
– princípio da eficiência (art. 37, caput, CF);
– princípio da racionalidade penal;
– vedação à criação de normas meramente simbólicas;
– proibição de populismo penal e legislação de emergência artificial.
A engrenagem que sustenta o improviso e a atuação de Hugo Motta – cancelando, adiando, rearranjando votações – não protege o processo legislativo; o expõe.
Serve para dar tempo à narrativa, e não ao debate. A articulação não visa aprimorar política criminal. Visa construir fato político. O Direito é mero cenário.
O conjunto dos atos revela que:
– a motivação foi política,
– o método foi improvisado,
– o produto é juridicamente frágil,
– o risco institucional é elevado,
– e a responsabilidade é de quem comandou a operação: Tarcísio.
Não se combate facção criminosa com legislação simbólica, nem se enfrenta criminalidade organizada com marketing punitivo. O que se produziu não é política pública. Não é técnica legislativa. Não é aprimoramento do Estado. É legislação performática – e, como toda encenação, é uma novela ruim que poderia se chamar: vale nada.
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