Isidoro entrou para o Exército aos 18 anos. Apoiou o golpe militar que instituiu a República e foi servir no 13º Batalhão de Infantaria em Porto Alegre. Corajoso e destemido, ganhou a confiança dos seus comandantes e logo chegou a tenente.
Lutou na Revolução Federalista de 1893 do lado dos rebeldes adversários de Júlio de Castilhos, governador do Rio Grande. Guerreou ao lado de Gumercindo Saraiva, líder dos maragatos, derrotado pelas forças legalistas e cuja cabeça foi oferecida a Castilhos numa caixa de chapéu. Saraiva foi enterrado decapitado em Santa Vitória do Palmar (RS) e sua cabeça nunca foi encontrada.
Dias Lopes é o fio que liga inúmeras revoltas, tentativas de intervenção e intervenções militares desde o início da República, há 135 anos. Desde o golpe que derrubou a monarquia em 15 de novembro de 1889 até os dias atuais, o Brasil registra nada menos que 39 insurreições, reações, tentativas de golpe ou de intervenção praticadas por militares ou grupos paramilitares. São quase 4 por ano, incluindo a suposta conspiração de militares do Exército que acaba de ser trazida à tona pelas investigações da Polícia Federal.
Não vou entrar no mérito destas investigações, mas me ater aos fatos por ela relacionados, estampados na mídia do Brasil e do exterior. Afinal, ainda é cedo para apontar culpados ou inocentes, embora existam pistas indicando a existência de uma conspiração para tomada de poder com uso e abuso da violência.
Se essas pistas permanecerão de pé ou não, o tempo dirá. A dúvida é se os acusados terão direito ao devido processo legal, uma vez que o juiz do caso estava entre os alvos da operação Contragolpe. E nada indica que ele deixará de julgá-los.
Olhando para trás, lá naquele distante final do século 19, constatamos que o normal no Brasil sempre foi usar a força e as armas nas disputas pelo poder. Veja a lista dos 39 mais importantes golpes, revoltas ou tentativas de intervenção, bem-sucedidas ou não, de tomada de poder por militares ou paramilitares desde a Proclamação da República.
Até 1930, Dias Lopes participou de todas as revoltas e revoluções importantes ocorridas no país. Baixinho, cerca de 1,60 metro, magro e com uma incrível capacidade de liderança, foi chamado de Marechal da Revolução de 1924, quando liderou a revolta dos paulistas contra o então presidente Arthur Bernardes. As tropas fiéis a Bernardes bombardearam São Paulo sem piedade. Foi um banho de sangue.
Durante os 20 dias de combate, ruas da Mooca e do Centro tinham casas destruídas e corpos, alguns despedaçados, espalhados pelo chão. Parte da população conseguiu fugir, mas aqueles sem ter para onde ir acabaram sofrendo as piores consequências. São Paulo virou uma cidade sem lei, com saques, estupros e pilhagens de todo tipo.
O Marechal da Revolução fugiu e acabou se juntando à Coluna Prestes-Miguel Costa, que percorreu o Brasil durante 3 anos até se embrenhar pelas matas da Bolívia. Mas, antes disso, ele se exilou na Argentina e depois em Paris. Morreu em 1949 cultuado como herói.
A intervenção militar, como mostra nosso histórico, é cultural, a lei do mais forte. Quando mais uma vez aparecem indícios de nova tentativa de intervenção, fica claro que alguma coisa de muito errado está acontecendo nas nossas instituições militares. E algo precisa mudar, seja em relação à doutrina das escolas militares, seja na forma como o poder civil se relaciona com as Forças Armadas. É, no mínimo, preocupante que nos últimos 135 anos o país tenha convivido com pelo menos 39 ações militares, sejam de que ideologia forem, uma média de 3 por ano.
O general Ike Eisenhower governou os Estados Unidos de 1953 a 1961 e nunca misturou política com militarismo, não sucumbiu a tentações antidemocráticas. É uma distorção para qualquer regime que queira ser chamado de democracia misturar armas com votos. Uma reflexão que certamente deve estar sendo feita pelo ministro da Defesa José Múcio Monteiro, a quem Deus deu régua e compasso quando o assunto é conciliação.
Quando Fernando Henrique, filho de general, criou o Ministério da Defesa nos moldes do que havia de mais moderno nas democracias ocidentais, o fez para mostrar que o poder das urnas deveria estar acima do poder das armas. Mas ao longo dos anos foram poucos, como o próprio Múcio e seu antecessor Aldo Rebelo, os que melhor souberam entender o papel das nossas Forças de Defesa –denominação mais correta do que Forças Armadas.
A conspiração descrita no relatório da Polícia Federal, mostra que a mentalidade da época de Isidoro Dias Lopes ainda encontra guarida em certos setores militares. Definitivamente, é algo que, se provado e comprovado, merece todo repúdio. Mas não pode parar por aí. Será preciso rever a formação dos novos quadros militares, construir uma doutrina que não pode ser nem de direita ou de esquerda, mas a favor do país.
A grande missão do ministro José Múcio não é a de apenas fazer com que o poder militar se submeta ao poder civil democraticamente eleito, como se dá em Estados Unidos, França, Japão, Inglaterra ou Canadá. Vai muito além e envolve mais profissionalismo, mais infraestrutura e mais eficiência. Militar ocioso é desperdício, para dizer o mínimo.
Revolucionários profissionais, seja Isidoro, Prestes ou os da conspiração do Punhal Verde Amarelo, lutaram e lutam contra inimigos internos, quando os verdadeiros inimigos agem de fora para dentro. É preciso mudar para não cair em tentação, não misturar a sagrada democracia com a profana ditadura, nem se deixar trair pelos instintos como ocorreu com Zé Tavares, vigário de Dom Pedrito, cujo filho jamais carregou seu nome.
*Jornalista
Leia menos