Na semana em que o governo amargou derrotas em série no Congresso e ministros foram alvos de críticas e esvaziamentos em suas pastas, Fernando Haddad viu o projeto do novo arcabouço fiscal, prioritário para o Palácio do Planalto e capitaneado por ele, passar com folga no plenário da Câmara, que aprovou a proposta por 372 votos a 108. O resultado, além de contrastar com o desempenho recente do governo na Casa, alçou um petista tido por colegas como um personagem de pouco traquejo político ao posto de articulador eficiente e interlocutor do Executivo junto ao Centrão — ponto sensível do governo neste início de Lula 3.
Além do empenho do ministro nas negociações, pesou em favor de Haddad o fato de a maioria dos congressistas da nova legislatura apresentar perfil mais liberal. Desde o início, o Parlamento emite sinais de que seria preciso o governo apresentar um pacote de compromissos com responsabilidade nos gastos públicos. À frente da Fazenda, o petista também vem se mostrando mais flexível. Ele abandonou antigas ideias, como a de promover uma reforma bancária proposta na campanha presidencial de 2018, e conseguiu se aproximar do mercado. As informações são do O GLOBO.
Leia maisHaddad soube entregar o produto que o Congresso estava disposto a comprar, mas não sem sustos. Na quarta-feira, Haddad foi alertado de que o União Brasil, partido da base que indicou três ministros, apoiaria uma proposta do PL, de Jair Bolsonaro, que limitava o crescimento das despesas em 2024. A crise se instalou no gabinete. O texto principal do arcabouço havia sido aprovado na noite anterior e faltavam ser apreciados apenas destaques apresentados pela oposição.
Se o acréscimo fosse aprovado, o ministério previa no próximo ano um colapso nas áreas de saúde e educação e a paralisação de obras pelo país. Diante do risco de revés, Haddad imediatamente começou a fazer ligações para os seus “parças” — forma como o ministro se refere nas conversas internas às lideranças do Legislativo com quem estreitou a relação nos últimos meses de intensa articulação.
Com o apoio maciço de PP e Republicanos, dois partidos que não fazem parte da base, o governo garantiu 309 votos e conseguiu barrar a iniciativa. No momento em que os ministros das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, o responsável pela negociação com o Congresso, e o da Casa Civil, Rui Costa, são alvos de queixas cotidianas, Haddad tem construído canais de diálogos com lideranças hostis aos seus colegas.
Relação com Lira
O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que em abril definiu ao GLOBO Padilha como “um sujeito fino e educado, mas com dificuldades”, elogiou nesta semana a “sensibilidade gigantesca” do ministro da Fazenda com o Congresso. Em outra ocasião, contudo, pontuou que o arcabouço não deveria ser encarado como termômetro da relação entre Planalto e Parlamento.
“Essa não é uma matéria de governo, de oposição. É uma matéria de país. Mas essa, tanto quanto a (reforma) tributária, vão ser tratadas absolutamente à margem de todo o problema ainda de articulação, formação de base que o governo tenha no Congresso”, definiu.
A relação entre Haddad e Lira é recente. Eles só se conheceram em dezembro do ano passado, quando se reuniram para discutir os termos da PEC da Transição — a proposta garantiu dinheiro extra para o governo implantar as promessas de campanha. As discussões, na época, estavam travadas. Uma ala da equipe de transição petista defendia que o futuro governo não precisava da PEC. Alegava que poderia garantir a regularidade fiscal com uma liminar (decisão provisória) do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinava que as despesas com o Bolsa Família estavam fora do teto de gastos. A posição de Haddad, a favor da PEC, porém, prevaleceu, o que lhe deu cacife tanto com Lira quanto com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Neste ano, os diálogos se intensificaram. Nos últimos dois meses, Haddad e Lira mantiveram conversas quase diárias. Segundo aliados, um dos trunfos do ministro da Fazenda tem sido só prometer o que pode realmente cumprir. A fidelidade aos acordos vem do tempo em que ajudava o pai na loja de tecidos da família na 25 de Março, rua de comércio popular em São Paulo.
O princípio é seguido no pagamento de emendas parlamentares. Com as chaves do cofre do governo, a ordem dada pela Fazenda ao Tesouro Nacional é que os recursos acordados devem ser liberados para que a Secretaria das Relações Institucionais faça os pagamentos.
As críticas a Padilha no Congresso se dão justamente porque ele não consegue, dentro do governo, fazer valer acordos que fecha, principalmente para nomeações que dependem de outras pastas.
Em seu mergulho na articulação política, Haddad abriu as portas do ministério a parlamentares. Rui Costa é alvo de reclamações por não dialogar com deputados e senadores. O titular da Fazenda tem se mostrado disponível para discutir os projetos. Na madrugada de quarta-feira, logo após a aprovação do texto principal do arcabouço, Haddad disparou mensagens de celular aos líderes partidários em reconhecimento pelos votos.
“Haddad dá uma lição a outros ministros da área política de como deve ser a articulação com o Congresso: ouvindo”, afirma o deputado Felipe Carreras (PSB-PE), líder do maior bloco partidário da Câmara.
A articulação da Fazenda é reforçada pelo secretário executivo, Gabriel Galípolo, e pelo chefe de gabinete, Laio Morais. Após o expediente, a dupla costuma marcar presença nas comemorações de aniversários de parlamentares em Brasília.
O retrato atual contrasta com o histórico do titular da Fazenda, que jamais foi considerado um bom articulador. Apesar da fama, ele costuma dizer que aprovou projetos importantes tanto como ministro da Educação como à frente da prefeitura de São Paulo. Aliados próximos afirmam, porém, que hoje as costuras políticas são encaradas com mais naturalidade por Haddad, justamente pela experiência adquirida ao longo dos anos.
Críticas de petistas
Ao passo que melhorou sua imagem fora de seu reduto, Haddad enfrenta resistências dentro do PT. O ministro acumula divergências com a presidente do partido, Gleisi Hoffmann. Uma ala da sigla avalia que ele cedeu além da conta nas negociações para aprovação do arcabouço. Na opinião de um ministro, Haddad foi escolhido por Lula porque “é o mais liberal dos petistas”.
“O Centrão gosta quando se cede muito. Foi triste ver um tratado neoliberal de austeridade ser aprovado com apoio do nosso governo”, afirma o deputado Lindbergh Farias (RJ), que votou a favor do projeto, mesmo divergindo.
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