Por Flávio Chaves*
Há existências que não se explicam, apenas acontecem, como o vento que passa por entre folhas e ninguém vê, mas todas sentem. São almas que não desistem, mesmo quando o mundo já se foi embora. Continuam ali, sentadas na beira de um ontem que ainda pulsa, estendendo as mãos para o nada, oferecendo um gesto que ninguém mais espera.
Não sabem mais o que é futuro, não sabem mais o que é espera, mas, de algum modo, continuam, e isso, por si só, é uma revolução silenciosa. Vivem entre ruínas e poemas, entre fotos amareladas e promessas que o tempo dissolveu. Guardam nos olhos a paisagem de algo que não volta, mas que também não foi embora de vez, como se a saudade tivesse criado raízes em cada olhar lançado ao céu.
Leia maisCarregam um calendário que já não serve para marcar datas, apenas ausências. Os dias passam como sombras, e os nomes já não respondem quando chamados. A dor não é escândalo, é sussurro, é aquela fresta entre um suspiro e o silêncio, aquela dobra do lençol onde a memória ainda dorme ao lado.
Não pedem que o mundo os entenda, só desejam, às vezes, um milagre discreto, uma palavra que diga “ainda vejo você”, um gesto que devolva um pouco da dignidade de quem ama sem plateia, de quem já foi inteiro e hoje caminha feito pedaço, mas caminha.
Essas almas já foram esquecidas por quem prometia ficar, já foram deixadas à porta de destinos que diziam ser abrigo, já se viram diante de olhos que diziam amor, mas enxergavam apenas a si mesmos. E, mesmo assim, não endureceram, não se tornaram pedra. São ainda carne, nervo e flor.
Seguem como quem carrega um altar de lembranças dentro do peito, como quem ainda acredita que o amor é um idioma falado por poucos, mas compreendido pelas estrelas, como quem chora baixinho para não assustar os passarinhos na janela, como quem sente que não há mais ninguém, mas ainda prepara café para dois.
Esta carta é para ti, que já não pede nada, que já se despediu do espetáculo, que já perdeu os grandes amores, os pequenos sonhos, os amigos que juraram ficar. Esta carta é para ti, que anda com o corpo cansado e o espírito ainda incendiado por algo que ninguém vê, mas que existe. Sim, existe.
A noite não será escura para sempre, mesmo sem promessas, mesmo sem retorno, mesmo sem ninguém, porque há em ti uma chama que não se apaga, e ela é feita daquilo que nem o tempo ousa apagar, o amor que ainda estende a mão.
*Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras
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