Por Inácio Feitosa*
A política de educação inclusiva em Pernambuco chega a um ponto de inflexão jurídico-administrativo. Até dezembro, os prefeitos precisarão exonerar ou rescindir contratos de cuidadores escolares que não atendam às exigências legais mínimas. A partir de 2026, a permanência desses vínculos passa a configurar gestão ilegal, com responsabilização pessoal perante órgãos de controle e o sistema de justiça.
Essa conclusão não decorre de escolha política, mas da combinação objetiva de três elementos: os Decretos Federais nº 12.686/2025 e nº 12.773/2025, que instituíram a Política Nacional de Educação Especial Inclusiva; a Resolução TC nº 296/2025 do Tribunal de Contas de Pernambuco; e o calendário escolar, que define o limite razoável de transição administrativa.
Leia maisOs decretos estabeleceram requisitos mínimos obrigatórios para o profissional de apoio à inclusão. Independentemente do nome utilizado, o cuidador, assistente de inclusão ou ADI (Assistente de Desenvolvimento à Inclusão) passou a ter, como exigência nacional, o ensino médio completo e formação específica mínima de 180 horas em educação inclusiva. Por se tratar de norma geral federal, sua aplicação é imediata e vinculante para estados e municípios.
O impacto em Pernambuco pode ser estimado a partir de dados oficiais e parâmetros epidemiológicos. A Organização Mundial da Saúde indica prevalência média de 1% para o Transtorno do Espectro Autista. O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade afeta entre 5% e 7% de crianças e adolescentes, conforme meta-análises e estudos de Polanczyk e Rohde. Com cerca de 9,6 milhões de habitantes (IBGE, 2022), estima-se que 25% estejam em idade escolar, e que 60% das matrículas da educação básica estejam nas redes municipais — aproximadamente 1,44 milhão de estudantes sob responsabilidade dos municípios.
Aplicando tais parâmetros, estima-se a existência de cerca de 14.400 estudantes com TEA e de 72 mil a 101 mil com TDAH na rede municipal. Dada a prática consolidada de atendimento individualizado, isso resulta em um contingente estimado entre 86 mil e 115 mil cuidadores escolares em atuação.
O problema jurídico aparece quando se observa a escolaridade desses profissionais. Embora não exista cadastro nacional sobre o perfil educacional, auditorias de Tribunais de Contas e diagnósticos municipais no Nordeste indicam que entre 35% e 45% dos cuidadores possuem apenas ensino fundamental. Em Pernambuco, isso representa entre 30 mil e 52 mil profissionais que não atendem ao requisito mínimo federal.
Esse quadro se agrava com a Resolução TC nº 296/2025 do Tribunal de Contas de Pernambuco, já vigente desde sua publicação, sem vacatio legis. A ausência de prazo de vigência implica aplicação imediata. O único ajuste possível, por razões de razoabilidade e proteção do interesse público, é uma transição limitada ao final do ano letivo, sem suspensão da eficácia da norma. A partir de 2026, manter cuidadores sem cargo criado em lei, sem concurso ou sem escolaridade e formação mínimas deixa de ser mera dificuldade administrativa e passa a evidenciar descumprimento consciente da legalidade, caracterizando gestão ilegal.
Diante desse cenário, o Ministério Público tende a exigir conformidade plena, com recomendações, termos de ajustamento de conduta e, quando necessário, ações civis públicas, sobretudo após o encerramento da transição administrativa. As consequências jurídicas são conhecidas: rejeição de contas, imputação de débito, multas pessoais, determinação de exoneração de vínculos irregulares, caracterização de gestão ilegal e ações de improbidade administrativa, com possíveis reflexos eleitorais.
A crítica não recai sobre crianças ou cuidadores, mas sobre a escolha histórica de adiar a institucionalização de uma política permanente. A inclusão foi tratada como emergência, quando sempre exigiu estruturação sólida. O improviso acumulado tornou-se passivo jurídico. A solução é viável e juridicamente segura: aprovação de lei municipal criando o cargo de ADI, definição de atribuições e requisitos, realização excepcional de processo seletivo simplificado para garantir o início do ano letivo em 1º de fevereiro e, em seguida, realização de concurso público, após avaliação financeira conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal. A adoção excepcional do processo seletivo encontra respaldo no princípio da continuidade do serviço público essencial. Entre a publicação da Resolução TC nº 296/2025, o fim do ano letivo e o início das aulas, é impossível realizar um concurso completo sem prejudicar o atendimento.
Nesse sentido, o Instituto IGEDUC vem orientando os prefeitos de Pernambuco a adotarem, inicialmente, processo seletivo público simplificado com avaliação de títulos, prova objetiva e curso de formação, já exigindo ensino médio completo e formação mínima de 180 horas para o cargo de ADI. Após a adequação financeira e normativa, recomenda-se concurso público a partir do segundo semestre.
Em síntese, até dezembro ainda é possível ajustar rumos. A partir de 2026, não. O que hoje é tolerância administrativa será, então, gestão ilegal. A inclusão escolar permanece um direito fundamental, mas, no marco atual, exige planejamento, decisão política e responsabilidade institucional.
*Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Advogado e Fundador do Instituto IGEDUC
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