Por Daniel Camargos
Da Carta Capital
Roque Santeiro, Tieta, Senhora do Destino… novelas de Aguinaldo Silva que capturam a complexidade e idiossincrasias do Brasil. Contudo, um capítulo essencial – e bastante atual – parece ter escapado da caneta de Silva nas eleições deste ano.
Em 2021, Silva foi co-autor do livro O inconformista (Cia das Letras, 184 páginas), cujo subtítulo é “A trajetória e as reflexões do empresário que fez da Cosan um dos maiores sucessos corporativos do mundo”. O protagonista não é fictício: é Rubens Ometto, que também assina o livro.
Nas urnas de 2024, o “inconformista” foi o grande vencedor. Com 18,6 milhões de reais, Ometto patrocinou 72 candidatos a prefeito e 115 vereadores. Fez também 26 doações para diretórios municipais e nacionais de 10 partidos políticos.
Leia maisA estratégia rendeu: 36 prefeitos e 40 vereadores eleitos, uma taxa de sucesso de 41% – índice que faz o incensado Gilberto Kassab (PSD) parecer um principiante.
Mas, inveja Kassab não sente. O PSD foi o maior destinatário das doações de Ometto: metade dos 18,6 milhões de reais – 9,3 milhões de reais – foi para candidatos e diretórios do partido.
Com fortuna estimada em 9 bilhões de reais, segundo a Forbes, Ometto doou o equivalente a 0,21% de sua riqueza pessoal. Como comparação, seria como um brasileiro de classe média com uma poupança de 100 mil reais doar 210 reais para um amigo candidato a vereador. Uma quantia simbólica para o doador, mas uma afirmação de ‘estamos juntos’ para quem recebe.
A lei permite que pessoas físicas doem até 10% da renda anual bruta declarada à Receita. Mas Ometto, é certo, tem mais negócios que amigos. Transformou a Cosan, fundada nos anos 80 como um grupo de usinas de açúcar e etanol, em um conglomerado com interesses em combustíveis, logística e gás natural, entre outros setores.
Ometto firmou sociedade com a gigante Shell para a formação da Raízen, hoje uma das maiores distribuidoras de combustíveis do país. No setor energético, lidera a Compass Gás e Energia, que atua na distribuição e comercialização de gás natural e biometano, por meio de empresas como a Comgás e a Edge. Também fincou bandeira no mercado global de lubrificantes, com a Moove, e na exportação de álcool e açúcar, pelo Terminal Exportador de Álcool de Santos. Além disso, investe em propriedades rurais através da Radar Propriedades Agrícolas e detém uma robusta carteira de investimentos imobiliários.
Ao financiar candidatos em diferentes regiões e níveis de poder, Ometto parece buscar não só aliados, mas também um clima favorável aos seus negócios, que abrangem setores altamente regulados. A pulverização de suas doações sugere sugere uma estratégia que pode ser capaz de influenciar o cenário político e garantir decisões alinhadas aos interesses de suas empresas.
Um exemplo digno das obras do biógrafo de Ometto, o novelista Aguinaldo Silva, se dá em Igreja Nova, cidade de 21 mil habitantes em Alagoas. Por lá, Ometto apoiou 7 dos 11 vereadores eleitos e foi o único financiador do prefeito Tiago Mateus (MDB). A realidade política da cidade faria personagens como Sinhozinho Malta e Viúva Porcina parecerem amadores.
A lista de beneficiários de Ometto inclui Fuad Noman (PSD), que derrotou o bolsonarista Bruno Engler (PL). Além dos 2 milhões de reais de Ometto, ele recebeu um empurrãozinho extra de 500 mil reais do bilionário Rubens Menin, magnata da MRV e dono do canal CNN Brasil e rádio Itatiaia.
Fuad – apoiado com entusiasmo pelos militantes e dirigentes do PT e PSOL – recebeu ainda 500 mil reais da esposa de Menin, 300 mil reais de um sobrinho, e 350 mil reais de Ricardo Guimarães, do banco BMG e sócio de Menin no Atlético-MG.
As doações de Ometto em 2024 quebraram seu próprio recorde de anos anteriores, consolidando-o como o maior doador individual em um cenário que evidenciou a força do Centrão – com a direita fragmentada e uma esquerda que ainda pena em se reconectar com a base para além da polarização. O PT, por exemplo, conquistou uma capital – Fortaleza, muito aquém do que seria esperado de um partido que comanda a Presidência.
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