Quem nasce com a sina de retirante como eu, que saí cedo da minha Afogados da Ingazeira, retrato drummondiano na parede que sangra o coração de saudade, deixa por lá uma porção de amigos e parentes, que o tempo e Deus vão se encarregando de moldar, com boas e ruins notícias.
A semana se encerra com a triste notícia da morte do meu primo Antônio Martins. Sou de uma geração mais nova que ele, mas o tempo me proporcionou momentos inesquecíveis de convivência ao lado dele na terra natal. Era um bon vivant, termo francês que significa viver bem, pessoas que desfrutam dos prazeres da vida.
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Boêmio e namorador, Antônio Martins tocava violão, cantava e vivia querendo saber quem inventou trabalho para mandar estrangular. Na adolescência, arrebatou o coração da minha amiga Branca Góes. Mas seu Miguelito, pai de Branca, estilo coronel, não aprovou o namoro e passou o revólver na venta do genro indefeso e indesejável. Foi a própria Branca que me contou ao recordar seus anos dourados em Afogados da Ingazeira.
Apesar da vigilância severa do pai, Branca teve suas razões para cair no canto sedutor de Antônio Martins. Era um personagem diferenciado da nossa aldeia. Jogava de tudo. Foi um excelente zagueiro pelo Bac e Ferroviário. Na sinuca, no baralho e no dominó, ninguém era capaz de derrotá-lo.
Outro esporte favorito era vaquejada, paixão maior da sua vida, para ser mais verdadeiro. Tanto que virou âncora de um programa na rádio Pajeú voltado para os vaqueiros e apreciadores de forró. Seu programa era semanal, às sextas, das 17 às 18 horas.
Estive várias vezes no estúdio da Pajeú ao lado dele, para apresentar o Frente a Frente direto de Afogados da Ingazeira. Quando adentrava ao estúdio, ele me saudava de primo e berrava no ar: “Chegou aqui o nosso Gregório de Matos”. Poeta da fase barroca no Brasil, Matos ficou conhecido como o “Boca do inferno” pelos ataques à igreja. Eu, no conceito do meu primo, pego pesado com os políticos.
Martins era meu ouvinte fiel. Na última vez que esteve internado no Recife, me passou uma mensagem pedindo um abraço no programa. Informava que, apesar de doente, na enfermaria do hospital, nunca perdia um programa. Antônio Martins era do bem, fazia o bem sem olhar a quem e viveu intensamente.
Era irmão da minha professora Luciete Martins, inesquecível. Como todo Martins atrevido, Luciete teve também por muito tempo um programa na rádio Pajeú. Meu parentesco com eles se enraizou no tronco dos Martins da minha saudosa e amada mãe Margarida Martins.
Rubem Alves, cronista que toca profundamente meu coração e minha alma, disse em boa hora que a morte é a única conselheira que temos. “Um de nós tem de aprender que a Morte é caçadora, e está sempre à nossa esquerda. Um de nós tem de aceitar o conselho da Morte e abandonar a maldita mesquinharia que acompanha os homens que vivem suas vidas como se a Morte não os fosse tocar nunca”, escreveu.
E deixou também esta frase célebre: “A morte e a vida não são contrárias, são irmãs. A reverência pela vida exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir”.
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