Comunidades terapêuticas são entidades privadas que se apresentam como casas de recuperação e acolhimento para pessoas com transtornos decorrentes do uso ou abuso de substâncias psicoativas (álcool e outras drogas, como cocaína e crack). Elas funcionam em regime residencial transitório e, pela legislação brasileira, devem ser de caráter exclusivamente voluntário. Mas há denúncias de violação de direitos e de internação compulsória.
“Nas próximas semanas, estaremos lançando o edital e, acumulado a isso, outras estratégias que a gente tem adotado”, disse a representante da Sepod, Thays Pedrosa. A novidade foi anunciada durante evento da frente parlamentar evangélica da Alepe, no dia 26 de junho. A declaração da gestora, registrada em matéria publicada no site da Casa, surpreendeu os integrantes do Cepad.
Na ocasião, Thays anunciou que o edital será publicado “seguindo compromisso firmado pela governadora Raquel Lyra”. “Nas próximas semanas, estaremos lançando e acumulado a isso tantas outras estratégias que a gente tem adotado”, afirmou.
A presidente do colegiado na representação da sociedade civil, a advogada Débora Fonsêca, relembra que “a secretaria ocupa a vice-presidência do conselho e não houve diálogo”. “Foram duas oportunidades para a Sepod apresentar sua política. Em fevereiro, nos foi mostrada uma apresentação precária. Em maio, foi apresentado um documento mais sistematizado, com propostas integradas com outras pastas. Mas nada se falou sobre edital”.
O Cepad-PE tem composição paritária e é o espaço institucional do controle social. Metade das cadeiras é ocupada por representações institucionais do governo estadual e a outra metade é indicada para representações da sociedade civil, com a presença, inclusive, das CTs.
Para Débora, o mais grave é o precedente que se abre em Pernambuco: “Aqui no nosso estado, as comunidades terapêuticas nunca foram reconhecidas como parte da Raps, a Rede de Atenção Psicossocial. Mas esse movimento já acontece em alguns estados. Nós, do Cepad, cobramos ações como estruturação do Consultório de Rua e ampliação de vagas nas Unidades de Acolhimento”.
O Colegiado de Saúde Mental da Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE), formado por gestores de municípios de todas as regiões de Pernambuco, realizou reunião na última sexta, na sede da pasta, no Bongi, zona oeste do Recife. Lá, os servidores também desconheciam a elaboração do edital.
A posição do governo
No final da tarde de ontem, a Sepod respondeu ao questionamento da MZ: “a Secretaria de Assistência Social, Combate à Fome e Políticas sobre Drogas tem concentrado esforços para fortalecer os serviços estaduais voltados ao cuidado de pessoas que fazem uso de drogas. Como por exemplo, a revisão metodológica e ampliação da atuação do Programa Atitude, agora com investimento anual de R$ 25 milhões. Em reunião do Conselho Estadual de Política sobre Drogas, realizada em maio, foi apresentado o mapa estratégico que prevê o apoio a instituições que trabalham com pessoas que fazem uso de drogas em diversas frentes. O edital para o cofinanciamento de vagas em unidades de acolhimento, que funcionem de acordo com as normativas técnicas e legais, está sendo elaborado para ampliar as possibilidades de cuidado especialmente em resposta aos pedidos dos municípios. O anúncio oficial será feito após o término dos trâmites burocráticos, detalhando os procedimentos ao Cepad e à sociedade em geral.
Raquel cedeu à pressão novamente
Em fevereiro do ano passado, durante a formação dos escalões do governo, Raquel havia nomeado para a Secretaria Executiva de Política sobre Drogas o psicólogo e consultor Rafael West. Mesmo sendo profissional reconhecido na Políticas sobre Drogas, com a experiência de gestão do programa Atitude, West foi exonerado dias depois. O motivo: parlamentares do PP haviam pressionado Raquel Lyra com a ameaça de retirar o partido da base de apoio na Assembleia.
Emparedada, a governadora escolheu para a função um nome mais próximo, com quem já havia trabalhado. “Atuou como gerente geral, secretário executivo e secretário municipal de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos de Caruaru”, diz um trecho do portal do Governo do Estado. O que a apresentação oficial do secretário não informa é que ele também é pastor da Igreja Episcopal Carismática do Brasil.
À época, a escolha de Raquel foi defendida por aliados como uma busca por uma solução meio termo. Se, por um lado, cedeu à pressão de parlamentares fundamentalistas, por outro, buscou uma escolha de caráter pessoal. Mas a fissura já havia sido feita. Recentemente o PP, do deputado federal Eduardo da Fonte e da família Collins, aumentou o espaço no primeiro escalão do governo, com a indicação do administrador Paulo Nery para a secretaria de Turismo. No mês passado, a governadora esteve com o parlamentar federal e presidente estadual do PP no encerramento do 23º Encontro de Mulheres da Assembleia de Deus de Pernambuco (foto que abre esta matéria).
O gesto a essas lideranças evangélicas deve contribuir para a governo tentar melhorar a correlação de forças na Alepe, onde Raquel Lyra tem sido frequentemente derrotada em votações importantes: teve vetos ao orçamento de 2024 derrubados por acachapantes 30 votos a 10; viu seu desafeto – e correligionário – Álvaro Porto antecipar a eleição da mesa diretora e ser reeleito para outro biênio; e teve seu candidato à vaga de conselheiro vitalício do Tribunal de Contas do Estado, Joaquim Lira (PV), perder o cargo para Rodrigo Novaes, filiado ao PSB. Em junho, cinco projetos de interesse do governo, incluindo autorização para obter empréstimo, foram retirados de pauta da Comissão de Justiça.
Collins já sinalizava financiamento
Depois que Raquel assumiu, a única emenda aprovada pela Alepe para a reforma administrativa da governadora trouxe uma mudança que, à primeira vista, parecia sutil, mas deixou especialistas em alerta. De autoria do deputado Cleiton Collins (PP), coordenador da frente evangélica na Casa, a emenda trouxe pequenas mudanças nas competências da, à época, recém-criada Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança, Juventude e Prevenção à Violência e às Drogas. A pasta depois foi desmembrada, já indicando um movimento em direção ao financiamento das comunidades terapêuticas pelo estado.
A emenda mudou o texto de atribuições da secretaria para “redução, prevenção e cuidado”. O final da redação proposta pelo Executivo dizia que a pasta deve atuar em consonância com “as diretrizes do Sistema Único de Saúde e do Sistema Único de Assistência Social e Social”. O deputado acrescentou “através do incentivo à uma política estadual de acolhimento às pessoas em uso abusivo de drogas”. Collins e a esposa, a deputada federal Michele Collins (PP), também são fundadores da Saravida, uma das CTs mais estruturadas de Pernambuco.
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