Coordenador adjunto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), no Rio de Janeiro, Pablo Nunes demonstrou preocupação com o uso dessa tecnologia.
“Eu tenho falado que o Carnaval de 2024 será o mais vigiado da história, muito porque o Brasil é o País com o maior Carnaval do mundo e também porque tem avançado de maneira muito forte e agora de maneira sustentável na adoção de novas tecnologias, principalmente reconhecimento facial. Mas isso é preocupante, porque há resultados muito problemáticos não só no Brasil, mas em outras partes do mundo. Não à toa, o reconhecimento facial tem sido banido nos Estados Unidos e parte da Europa”, pontuou.
Pablo Nunes destacou que erros nas identificações levaram pessoas inocentes à prisão recentemente. “A gente teve casos no Rio de Janeiro, onde duas pessoas passaram três dias na prisão exatamente por conta do uso do reconhecimento facial. Pessoas que perderam a sua virada do ano. E sobre isso a gente não tem falado ou tem, de certa maneira, minimizado os efeitos negativos para esses indivíduos que vivem nessa situação. Do ponto de vista do uso no Carnaval, a gente teve um caso gravíssimo no ano passado, em Sergipe, onde uma foliã foi confundida duas vezes pelo sistema de reconhecimento facial e foi abordada de maneira vexatória pela polícia”, afirmou.
RACISMO E OUTRAS VIOLAÇÕES
A advogada Maria Clara D’Ávila, integrante do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), compartilha o mesmo pensamento em relação aos riscos do uso do reconhecimento facial no combate aos crimes.
“Essa tecnologia aumenta as chances de prisões ilegais, de violações de direitos humanos. Por isso temos um posicionamento contrário, entendendo que o uso pode provocar situações de racismo. Vários estudos comprovam que há inúmeros erros na identificação de pessoas negras e transexuais. O sistema criminal brasileiro já tem um viés racista e esse sistema (reconhecimento facial) se direciona para essas pessoas. Além disso, não há estudos que comprovem que essa tecnologia ajuda a prevenir a violência”, disse.
“A gente sabe o quanto que a abordagem policial é um tópico sensível, traumático para uma parcela significativa da população, que são jovens negros, que muitas vezes passam por abordagens policiais violentas. Essas abordagens causam traumas que vão acompanhar esses jovens por um bom tempo. Esse é o caso, por exemplo, de um jovem abordado na Bahia, de espectro autista, que foi abordado, uma arma foi apontada para sua cabeça e ele ficou traumatizado. Esses efeitos não são medidos, mas são efeitos vividos pela população”, comentou Pablo Nunes.
Em dezembro de 2023, durante uma audiência promovida pelo Ministério Público de Pernambuco para discutir a possível utilização da ferramenta de reconhecimento facial na capital, a defensora pública Juliana Paranhos se posicionou de forma contrária à medida.
“A Defensoria, como instituição que promove acesso à Justiça e vê cotidianamente erros que cerceiam direitos e que não podem ser tolerados, manifesta sua posição contrária (ao uso dessa tecnologia) porque entende que, como uma ferramenta com possibilidade de erros, ela colocará em risco principalmente pessoas negras e transgêneras”, alertou a defensora pública, na ocasião.
TRANSPARÊNCIA
Maria Clara D’Ávila pontuou que o governo de Pernambuco fez um breve anúncio sobre o uso do reconhecimento facial durante o Carnaval, mas não explicou como evitará a violação de direitos das pessoas que estão sendo filmadas pelos equipamentos. “É preciso atenção ao risco de violação à intimidade e à Lei Geral de Proteção de Dados, além de como esses dados estão sendo preservados.”
“É muito preocupante que Recife e Olinda estejam avançando nesse projeto sem o devido diálogo com a população e sem, principalmente, um processo de transparência do uso dessa tecnologia, como ela vai ser usada, quem vai usá-la e, principalmente, quais vão ser os indicadores que vão garantir que essa seja uma política pública eficiente. As polícias não são transparentes sobre o uso das tecnologias, quais efeitos que elas promovem e quanto tem sido gasto”, completou Nunes.
O QUE DIZ O GOVERNO DE PERNAMBUCO?
Na semana passada, quando anunciou o uso do reconhecimento facial, o secretário estadual Alessandro Carvalho declarou que os equipamentos serão usados pela polícia nas pontes de acesso ao Bairro do Recife e nos acessos ao Sítio Histórico de Olinda, os dois pontos de maior aglomeração de foliões durante o Carnaval.
O uso da tecnologia terá como fonte o Banco Nacional de Mandados de Prisão. “Esse banco não conta com fotografias, mas estamos construindo, alimentando um banco, para ajudar nessa identificação”, afirmou Carvalho, sem dar maiores detalhes do funcionamento. Os equipamentos foram adquiridos por meio de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública.
PM VAI USAR CÂMERAS CORPORAIS NO CARNAVAL
Durante o Carnaval, parte dos policiais militares escalados vai usar câmeras corporais (bodycams) no Recife e em Olinda. O uso permite não só identificar excessos praticados pelos profissionais, como também serve de prova contra falsas denúncias.
“As câmeras corporais do 17º Batalhão da PM serão utilizadas em cada patrulha que estiver no Carnaval. Começaremos pelo Galo da Madrugada com uma bodycam por patrulha lançada”, disse Alessandro Carvalho.
Os policiais do 17º Batalhão, que atuam nos municípios de Paulista e Abreu e Lima, estão usando as bodycams desde setembro de 2023. Além de imagens, os 187 equipamentos adquiridos gravam sons e fazem o envio em tempo real para uma central.
GOVERNO FEDERAL QUER AMPLIAR USO DE BODYCAMS
O Ministério da Justiça e Segurança Pública tem incentivado os Estados a adquirirem câmeras corporais como forma de garantir mais transparência às abordagens policiais – principalmente em casos de mortes. No dia 19 de janeiro, uma portaria foi publicada com recomendações de como deve ser o uso pelas forças de segurança.
O uso foi recomendado para policiais militares; civis federais; rodoviários federais; penais distritais, estaduais e federais; guarda municipal; e policiais legislativos e judiciais. No caso dos agentes de segurança privada, a Polícia Federal será a responsável pela implementação.
O governo federal sugeriu que a gravação seja ininterrupta por todo o turno de serviço do usuário, tanto nos modelos e sistemas de acionamento e desligamento automáticos, quanto nos manuais e seu conteúdo ficará armazenado pelo período mínimo de seis meses.
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