Do Portal M!
Autor dos livros de contos “Caçada russa”, publicado pela Penalux em 2016, e “Você morre quando esquecem seu nome”, lançado em 2020 pela Bissau, o escritor e jornalista Flávio Costa disse acreditar, durante participação no Podcast do Portal M!, que a literatura negra é crescente no país. Na avaliação dele, o mercado “se atentou”.
“Eu me vejo como escritor, como homem que é negro. Acho que existe uma literatura, de um ponto de vista da experiência negra, crescente no país. Acho que, de alguma forma, o mercado se atentou. Essas narrativas podem gerar lucro”, avalia.
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Nomes como Conceição Evaristo e, mais recentemente, o baiano Itamar Vieira e o carioca Jefferson Tenório, radicado em Porto Alegre, vêm ganhando holofotes e cada vez mais prestígio no meio literário.
“Não acho que é só o reconhecimento do trabalho desses escritores, como Jefferson Tenório, Itamar, a própria Conceição Evaristo. Acho que houve aí uma confluência entre os interesses do mercado livreiro e a ascensão e o trabalho desses escritores neste momento”, afirma.
Flávio também destacou que não tenta se “encaixar em grupos” ou se “limitar” pela sua origem, mas pontuou que, em sua escrita, o racismo é um tema importante, apesar de não ser o único. “E, como eu já disse anteriormente, a experiência negra é maior do que a experiência do racismo”, ressalta.
O escritor também revelou que está produzindo um romance, ao mesmo tempo em que segue na escrita de contos para o próximo livro: “Pretendo lançar um dos dois, o romance ou o livro de contos, no ano que vem”.
Segurança pública e racismo
Outro assunto abordado no Podcast do M! foi sobre como as pessoas negras seguem ocupando um espaço indesejado no noticiário policial, inclusive sendo vítimas da truculência policial. Na avaliação de Flávio, uma questão importante é o fato de que o imaginário segue colocando o homem negro na situação de ator de atos violentos.
“A gente tem o problema de não ter ainda políticas públicas que ultrapassem a questão do policiamento. Quando a gente fala de segurança pública, a gente sempre fala de policiamento, de polícia cidadã, mas segurança pública é muito além disso. Então, enquanto o país estiver preso a essa visão pequena e mesquinha da segurança pública, junto com a questão de se viver numa cidade racista, as pessoas negras vão ser vistas dessa forma”, pontua.
Paternidade e ensinamentos
Pai de uma adolescente, Flávio também falou sobre como tem ajudado a filha não apenas a viver, mas também a oferecer resistência em uma sociedade patriarcal e racista. Ele revelou ter diversas conversas com a filha, sem fingir que o país em que ela vive não é preconceituoso com a população negra.
“Tento dar a melhor educação possível para ela, mas também tento que ela tenha uma vida que não se limite a essas questões. A experiência negra é muito maior do que a experiência do racismo. O homem negro e a mulher negra não se definem apenas por serem pessoas que sofrem racismo. A vida é muito mais ampla. Então, eu tento mostrar a ela isso”, explica.
O jornalista também disse querer que a filha tenha uma existência além de questões ligadas ao racismo. “Que ela não viva submetida a essas questões. Eu quero que ela enfrente como o meu pai enfrentou, como eu tento enfrentar. Porque é isso, a vida de uma pessoa negra é muito maior, mesmo na sociedade racista. Ela é muito maior do que o racismo. Não somos só pessoas que sofrem com racismo, a gente vive, ama, tem sonhos e nem tudo perpassa essa questão racial”.
Presença negra no STF
Costa também falou sobre a expectativa de alguns setores de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indique uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal (STF), apesar de o petista já ter sinalizado que não levará em conta critérios de gênero e raça na escolha do nome que vai ocupar o lugar da ministra Rosa Weber. A magistrada se aposentou compulsoriamente ao completar 75 anos, em setembro passado, após 12 anos na Suprema Corte.
Na avaliação do jornalista e escritor, o presidente não quer enfrentar questões de gênero e raça. “Esse debate sobre a questão da ministra negra no STF é muito raso. Quando a gente fala de ministra negra no STF, eu, pelo menos, estou pensando em pessoas negras extremamente capacitadas para ocupar o cargo. Mas há aí questões políticas envolvidas, há questões de como o Lula vê agora, nesse novo mandato, essa questão da escolha do ministro do STF”.
Para Flávio, neste momento, existe uma visão de que a escolha precisa ser “estratégica” e “adequada” aos interesses do governo. “Não é uma discussão republicana. Então, a gente fica assim, sujeito aos interesses políticos do governo, quando o debate deveria ser sobre representatividade e sobre ocupação de espaços. Há várias pessoas com perfis, várias mulheres e homens negros que poderiam ocupar esse espaço da STF hoje em dia”, completa.
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