Por Antônio Campos*
“’No Recife, os belos sonhos se esquecem de morrer”.
A Avenida Guararapes é um dos símbolos dessa cidade. O poeta J. Gonçalves de Oliveira diz em versos:
Entre o rio e o sol aberta,
A avenida Guararapes
Tem no seu nome de guerra
Analogias enfáticas.
Leia maisPrimeiro, inscreve as batalhas
Da Restauração brasílica,
Onde se inicia o plasma
Da Pátria, seu verbo cívico.
Depois, semeia a história
Do futuro em seu crescente,
Nos anonimados prólogos
De heroísmos urgentes.
O Recife só será grande no presente e no futuro se valorizar e respeitar o seu passado. A Avenida Guararapes e o Savoy são símbolos importantes dessa cidade. O poeta do Savoy Carlos Pena Filho é chamado de “O Poeta do Recife”.
A mesa de um bar pode ser comparada às páginas de um livro, onde se pode contar e conhecer estórias, desejos e frustrações, esperanças e lamentos, sonhos e revoluções. Pode-se contemplar o mundo – a estética da libido, as sensações, os lugares, as viagens. É também o palco das apresentações acaloradas. Por isso, o bar é mais do que um lugar onde as pessoas bebem, se reúnem para descontrair e encontrar amigos.
O bar está presente na história da humanidade, em todo tempo, por todos os cantos, na formação das civilizações, nos processos dialéticos, associado à liberdade de expressão, à criação, desconstrução, aos movimentos, à cultura, arte, música, poesia e em todas as outras manifestações possíveis.
No Recife, lugar de cultura ímpar e de tantas revoluções, existiu o Bar Savoy. Reduto de intelectuais, poetas, artistas, políticos e de todos que queriam apenas momentos de descontração. É o mais antológico e famoso bar da história de Pernambuco. Assim, como o Restaurante Leite é um símbolo de Pernambuco.
Localizado na Avenida Guararapes, em seu auge, no centro do comércio da cidade, foi fundado em 1944 e teve na década de 60 o seu tempo de maior efervescência. Ponto de encontro, foi frequentado por Gilberto Freyre, Carlos Pena Filho, Renato Carneiro Campos, Capiba, Osman Lins, Vicente Rego Monteiro, Ascenso Ferreira, Mauro Mota, dentre tantos outros nomes.
Edilberto Coutinho no livro Bar Savoy, que registrou os cinqüentas anos do Savoy, em 1994, anota:
“Por outro lado, não podemos esquecer: grandes personalidades, de passagem pela capital pernambucana, foram tomar o seu chope na calçada famosa. Formam um rol dos mais ilustres, que inclui nomes do porte de Roberto Rosselini e Alberto Cavalcanti, Jorge Amado e Aldous Huxley, Roberto Burle Marx e Paulo Mendes Campos, Antônio Callado, Heitor Villa-Lobos e Paschoal Carlos Magno. Passaram pelo Savoy Simone de Beauvoir e Jean-Paul Satre, ciceroneados por Otávio de Freitas Júnior durante congresso de escritores em 1960. O mesmo Otávio que um ano antes, como presidente da Sociedade dos Amigos de Cuba, hospedara em sua casa da Praça Chora Menino a senhora Célia Guevara, mãe do Che. Leva a ilustre dama, numa tarde de intenso calor do Recife, a refrescar-se com uma paradinha no Savoy. Oferece-lhe guaraná e pede um chope. A mãe do Che Guevara recusa o refrigerante: “Quiero lo mismo que toma usted”. E prova o produto mais célebre do bar, deliciada. Garante, não tomara de uma cerveza tão deliciosa em Cuba nem na Argentina”.
Fechado em 1992, acompanhou o processo natural das movimentações urbanas das grandes cidades. Com o centro econômico e cultural sendo deslocado para outras áreas do Recife, o Bar Savoy ainda resistiu em manter-se fisicamente no seu lugar de origem, mas não conseguiu e fechou as portas. Porém, na memória de várias gerações de boêmios, o Savoy nunca desapareceu.
Este patrimônio cultural dos pernambucanos irá renascer, em breve.
Estamos aguardando a requalificação da Avenida Guararapes e do entorno do espaço do Antigo Bar Savoy. Será a brasileirinha de Recife, homenageando Carlos Pena Filho, assim como a Brasileira, no Chiado, Lisboa, homenageia Fernando Pessoa.
O Savoy será reaberto como um espaço cultural contendo memorial e cafeteria, no mesmo lugar. Um esforço do Instituto Maximiano Campos, liderado por Antônio Campos, UNINASSAU e SER Educacional, liderado pelo empreendedor Janguiê Diniz. Estamos procurando parceiros para consolidar o espaço.
Carlos Pena Filho, que fez dele o seu quartel-general, falecido prematuramente aos 31 anos de idade, imortalizou-o em versos no Guia Prático da Cidade do Recife:
Nas mesas do Bar Savoy
O refrão tem sido assim:
são trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.
Ah mas se agente pudesse
fazer o que tem vontade
espiar o banho de uma
a outra, amar pela metade
se daquela que é mais linda
quebrar a rija vaidade.
Mas como a gente não pode
fazer o que tem vontade,
o jeito é mudar a vida,
num diabólico festim.
Por isso no Bar Savoy
o refrão é sempre assim:
são trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.
O poeta Mauro Mota quando da morte de Carlos Pena fez os seguintes versos que viraram placa, fixada no Savoy em 20.12.1960, e que consta no acervo do Savoy guardado pelo IMC, ora exposto:
São agora vinte e nove
Os homens do bar Savoy.
Vinte e nove que se contam.
Falta um para onde foi?
Vinte e nove homens tristes
Dentro deles, como dói
A ausência do poeta Carlos
Na mesa do bar Savoy.
O renascimento do Savoy, num esforço de revitalização do centro do Recife, reafirma a letra da composição do hino dos 50 anos do Savoy, em 1994:
No Recife, os belos sonhos se esquecem de morrer.
*Advogado e escritor
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