Por Antonio Magalhães*
O que tem a ver o cultivo de flores com a sinceridade na política? Aparentemente nada. O diretor americano Hal Ashby conseguiu produzir a metáfora perfeita que une os dois temas no seu filme “Muito além do jardim” (1977), um clássico do cinema, quando um jardineiro simplório, com deficiência cognitiva, torna-se o conselheiro-mor do “fazedor de reis” de Washington.
Expulso por corretor de imóvel da casa onde viveu 44 anos, o jardineiro Chance, que foi adotado na infância por um milionário da cidade, depois da morte do tutor vaga pelas ruas da capital americana como um E.T. recém-chegado à Terra. Tudo lhe surpreende. Ele via o mundo por alguns programas de TV. Depois de um banal acidente de trânsito, na sua andança pela metrópole, ele é abrigado na casa do influente Ben Rand (Melvyn Douglas), que, mesmo doente de cama na sua mansão, conversa com Chance – a esta altura Chancey Gardiner (jardineiro) – e confunde sua inocência com sabedoria.
Leia maisComo Chance só entende de jardinagem, o novo amigo carente de sinceridade interpreta as palavras sobre plantas do jardineiro como metáforas para a vida política: quando plantar, quando colher, de olho no tempo etc. O que Chance diz é escutado por políticos amigos de Ben, até o presidente dos EUA, pela forma direta dele responder ou silenciar sobre temas mais delicados. Afinal, o “fazedor de reis” dá o aval às palavras do suposto conselheiro de “papo reto”.
Por que a fala deste desconhecido tem tanta credibilidade? Como na vida real e no filme, os políticos só estão acostumados a quem conversa com subterfúgios, promete e não cumpre, mente nos gastos públicos, é capaz de enganar eleitores e até mesmo uma nação. Portanto, para os conhecidos de Ben, Chance é diferenciado, uma incógnita a ser revelada. Vão atrás do seu passado e da origem da sua “sabedoria”. Recorrem aos arquivos policiais, FBI, CIA, bancos e não encontram qualquer registro dele. Uns acham até que é um espião soviético.
Diante da ficha limpa, espertalhões interessados em votos e poder, pensam até na possibilidade de eleger Chance para um cargo maior, quem sabe à Presidência dos EUA, com ampla possibilidade de manipulação como aconteceu com o ex-presidente Joe Biden. Coisa de filme: na vida real, quem está fora de esquemas e sem dar brecha para chantagens de inimigos dificilmente é eleito, mas acontece. E se chegar lá vai ser massacrado e perseguido pelo sistema, como ocorreu com um ex-presidente de um país conhecido e que pode vir a se repetir com seu filho, durante a campanha presidencial e no caso de vitória.
Voltando ao Chance, por conta dos contatos alavancados por Ben, o jardineiro passa a participar de entrevistas na TV – por onde ele via o mundo do seu quarto – e dar conselhos usando o linguajar dos cuidadores de jardins, lembrando a existência das pragas que matam as plantas, tidas como metáforas pelos maus políticos como forma de eliminar adversários políticos.
Existem filmes de comédias românticas, comédias dramáticas, mas essa película poderia ser classificada como uma comédia filosófica, pois mostra que um ingênuo pode ser mais sensato e profundo de quem se acha muito sabido: o espertalhão que, na verdade, age como uma formiga roceira comendo plantas em fase de crescimento e inviabilizando o futuro de frutos e flores. Ou de seu país. É isso.
*Jornalista
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