Por Paulo Edson – A Folha das Cidades
Há nomes que o tempo não apaga — apenas imprime em páginas que resistem às mudanças, às modas e às telas que tentam substituir o papel. Enaldo Cândido foi um desses nomes. Um jornalista que não apenas escreveu a história de Arcoverde: ele a viveu, a desafiou, a provocou e a imprimiu — linha por linha, manchete por manchete, nas páginas do Jornal de Arcoverde, que fundou há mais de quarenta anos, quando a informação ainda tinha cheiro de tinta fresca e som de rotoprinter.
Natural de Itaíba, mas de alma arcoverdense, Enaldo foi daqueles que entenderam cedo que o jornalismo não se faz com neutralidade morna, e sim com a chama de quem acredita na verdade. Nos anos 1980, enquanto muitos viam o interior de Pernambuco como um campo de silêncio, ele ergueu uma trincheira de palavras. Criou um jornal impresso que, contra todas as probabilidades, permanece vivo até hoje — um feito raro em um mundo onde o papel é cada vez mais substituído por telas frias e passageiras.
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Chamavam-no de “Gato”, apelido que combinava com sua astúcia, curiosidade e coragem felina. Enaldo tinha o faro da notícia e o instinto do repórter que não se contenta com o que lhe dizem — precisava ver, ouvir, questionar. E se o poder tentava impor silêncio, ele respondia com manchetes. Viveu, inclusive, um dos episódios mais emblemáticos da imprensa local: foi preso por ter publicado verdades incômodas, num tempo em que falar demais podia custar caro. Mas, como todo bom gato, sempre caiu de pé.
Sua pena — firme, às vezes ferina, mas sempre justa — atravessou governos, gerações e mudanças tecnológicas. Quando o rádio crescia, Enaldo estava lá. Quando a televisão chegava mais longe, ele resistia. E quando a internet parecia enterrar de vez o impresso, o Jornal de Arcoverde seguiu circulando, com sua tipografia clássica e seu espírito independente, como uma lembrança viva de que a imprensa livre ainda pulsa no Sertão.
Mas Enaldo não era só o jornalista. Era o contador de histórias do Caldinho do São Geraldo, o anfitrião da “Confraria do JA”, o homem dos “eternos 39 anos”, que fazia da vida uma crônica e dos amigos, personagens. Ria alto, discutia política com paixão e nunca deixou de acreditar no poder da palavra — mesmo quando ela lhe custava caro.
Hoje, o silêncio que fica é estranho. Falta o timbre inconfundível de Enaldo, o Gato das Letras, o repórter das madrugadas, dos cafés apressados e das cervejas prolongadas, o amigo que não media adjetivos, mas também não negava abraços.
Ele partiu, mas deixou algo que não cabe em arquivo ou servidor: deixou um legado impresso em papel e memória, que continuará sendo lido nas esquinas de Arcoverde, nas conversas dos bares e nas redações que ainda acreditam que jornalismo é, antes de tudo, coragem.
Porque enquanto houver um jornalista que escreve, a liberdade jamais será calada.
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