Sou filho do impresso no jornalismo. Quando ingressei numa redação pela primeira vez, a do bicentenário Diário de Pernambuco, nos anos 80, me deparei com verdadeiros feudos. Um deles era a diagramação, a arte de fazer o jornal ficar mais atrativo, com um formato mais gostoso de ler, com manchetes de oito colunas na capa, para vender mais nas bancas.
Não sei por qual razão, me veio a memória ontem a figura de José Maria Garcia, o chefe dos diagramadores do DP. Era um craque em projetar qualquer página, principalmente a capa. Impossível o jornal sair para a impressora sem o crivo dele, sem o seu olhar arguto, crítico e criativo.
Por isso mesmo, era paparicado pela direção do jornal. Antônio Camelo, Gladstone Vieira Belo e Joezil Barros, os mandachuvas do velho DP, batiam continência para ele. Naquela época, o DP era o mais poderoso e influente jornal do Nordeste (mais lido na Paraíba e Alagoas, Estados vizinhos, do que os jornais locais). Ninguém ousava contrariar Garcia, como era tratado pelos mais íntimos.
Leia maisSem ele, não tinha jornal, a diagramação não funcionava. Era mais poderoso que o editor-geral. Zé Maria tinha tamanha consciência da sua força e do seu poder que se dava ao luxo de só diagramar a capa do jornal, a última da edição, depois dos seus tragos diários de conhaque na Cristal, uma lanchonete com cara de bar ao lado do jornal, na Pracinha da Independência, onde batia seu ponto todos os dias.
Era abusado, fumante inveterado, excelente contador de causos, quando de bom humor, o que era raro. Zombava do seu próprio poder. Quando fui promovido a editor da primeira página do DP, fui logo advertido: “Fique amigo do Zé Maria. E nunca cobre horário dele, nem muito menos vá buscá-lo na Cristal”, me avisou o editor-geral, Lúcio Costa, depois de dar mão à palmatória de que Garcia mandava mais do que ele.
Certo dia, num plantão de domingo, havia ocorrido um homicídio duplo envolvendo as famílias Alencar, Sampaio e Peixoto, que se digladiavam em Exu. O relógio já passava das 20 horas e nada de Zé Maria adentrar na redação para diagramar a primeira página, sob minha responsabilidade.
Cristão novo na edição, estava ansioso para fechar a primeira página. Impaciente, caí na besteira de ir buscar o todo-poderoso Garcia na Cristal. Levei um esculacho que nunca mais esqueci.
Não gostou de me ver invadindo o seu território, me olhou enviezado e sapecou: “Vá à merda, seu editorzinho de proveta”. Voltei e fiquei a esperar pela sua boa vontade por mais de duas horas.
Mas, mesmo sob o efeito de várias doses do seu conhaque preferido, fumando um cigarro atrás do outro, Garcia me produziu uma das mais belas capas da história do jornalismo pernambucano.
Nunca mais quis brigar com ele! Quanto mais bebia, mais criatividade ele exibia na arte da diagramação.
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