Por Cláudio Soares*
A fala recente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, afirmando que “traficantes são vítimas dos usuários”, soou como um tapa na cara de quem enfrenta diariamente o terror imposto pelo crime organizado nas comunidades brasileiras. Em um país onde crianças, mulheres e idosos tombam sob o fogo cruzado, ouvir de um chefe de Estado que o traficante é “vítima” é mais que um equívoco — é uma perigosa inversão moral.
Enquanto o presidente relativiza o papel de quem comanda o tráfico, professores são agredidos em salas de aula, mães tentam resgatar filhos aliciados por facções e comunidades inteiras vivem sob a mira de fuzis. Essas pessoas — e não os traficantes — são as verdadeiras vítimas. Chamar de “vítima” quem lucra com a destruição de vidas é ignorar a dor das famílias que perdem filhos para a violência e para as drogas. É distorcer o sentido de justiça.
Leia maisNo Rio de Janeiro, uma bala perdida pode atravessar a janela de uma creche. Em São Paulo, mães desesperadas buscam tratamento para filhos consumidos pelo crack. Nas periferias do país, a lei do silêncio e o medo imperam. A sociedade inteira é refém do tráfico — do tráfico que oprime, que recruta menores, que espalha medo e morte. A fala de Lula, ao inverter o papel entre algoz e vítima, enfraquece a confiança da população em um Estado que deveria proteger, não confundir.
O presidente afirmou, durante viagem à Indonésia, que “quem vende é porque há quem compra, quem compra é porque há quem vende”. Mas reduzir o tráfico a uma simples troca de interesses é desconsiderar a estrutura criminosa que move bilhões, financia armas, corrompe instituições e escraviza dependentes. O usuário pode, sim, precisar de ajuda. O traficante, não. Ele é o elo que sustenta a cadeia do crime — e sua escolha é consciente.
Pense nas mães que atravessam becos em busca dos filhos dominados pelo vício. Nos professores que enfrentam alunos armados. Nos trabalhadores que vivem em territórios controlados por facções. Essas pessoas são vítimas de um sistema de terror, não de “usuários”. Romantizar o traficante é fechar os olhos para o sofrimento cotidiano de milhões de brasileiros.
O discurso de Lula não é apenas infeliz — é perigoso. Ele transmite complacência com quem alimenta o crime e fragiliza o combate à violência que devasta nossas comunidades. A verdadeira vítima é o povo brasileiro, honesto, trabalhador, que paga impostos e enterra seus filhos por culpa de um Estado que insiste em errar o alvo.
Porque, no Brasil real, o traficante não é vítima. É opressor. E o país que esquece essa verdade caminha para a indiferença — e para o caos.
*Advogado e jornalista
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