Por Mônica Bergamo*
Terreiros de candomblé e organizações que atuam pelos direitos de religiões de matriz africana assinam uma carta endereçada ao presidente Lula (PT) em que criticam a gestão do Ministério da Igualdade Racial (MIR) sobre o tema.
Eles afirmam que a chefe da pasta, a ministra Anielle Franco, tem agido com descaso, “desarticulando a possibilidade da retomada do que iniciamos nos governos Lula e Dilma [Rousseff].” No documento, eles pedem intervenção no ministério, a substituição da equipe de trabalho e, em última medida, a troca da própria ministra.
Leia mais“Nossa crítica ao tratamento do MIR aos terreiros do candomblé amplia-se diante do envolvimento da ministra em polêmicas que não ajudam o governo Lula, e mais recentemente com a demissão de quadros ligados a construções históricas das políticas para os povos de terreiro”, afirma o texto.
Procurado pela coluna, o ministério afirma que não recebeu formalmente a carta e, por isso, não tem como garantir a sua confiabilidade. Diz também que a pasta tem uma diretoria própria para Povos de Terreiro e da Matriz Africana por “entender a relevância” do assunto e que a política em construção se baseia em diálogos com grupos de todas as regiões do Brasil e “está sendo articulada para lançamento em breve”.
O documento cita a recente saída do secretário do Sinapir (Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial), o jornalista Yuri Silva, que havia trabalhado com o ex-ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida.
Segundo o texto, Yuri Silva “é um jovem negro de candomblé, amplamente conhecido pela sua atuação nas pautas da liberdade religiosa e da juventude.”
“Não trata-se de personalizar a insatisfação política, mas [de] compreender que tal movimento de desligamento demonstra, mais uma vez, o descompromisso da ministra Anielle Franco com as pautas deste segmento e com o conjunto das políticas de igualdade racial do Brasil”, afirma o documento.
Silvio Almeida foi exonerado da pasta dos Direitos Humanos após denúncias de importunação sexual em setembro. No início de outubro, Anielle Franco confirmou em depoimento à Polícia Federal (PF) que foi importunada sexualmente por ele.
Na carta, o grupo pede “uma mesa de negociações” para tratar do tema com Lula.
“O manifesto é uma forma de mostrar ao presidente que nós não estamos satisfeitos como a forma como estamos sendo tratados”, diz o babalorixá Babá Pecê, do terreiro Casa de Oxumarê, um dos mais antigos do Brasil e que é tombado pelo patrimônio histórico.
Ele afirma que há falta de diálogo da ministra com o grupo e que, em ao menos duas oportunidades, ela não compareceu a encontros que já estavam marcados em terreiros. “Nós sofremos com o preconceito e a intolerância religiosa, e os nossos espaços vêm sendo invadidos e atacados”, afirma ele.
O documento cita ainda outros pontos de insatisfação, como a lentidão na publicação da Política Nacional de Combate ao Racismo Religioso e o “baixo investimento orçamentário para povos de terreiro”.
Sobre a demissão de Yuri Silva, o ministério afirma em nota que se tratava de um cargo de confiança e que mudanças são uma prática comum de qualquer gestão. “A continuidade do trabalho está garantida com a nomeação do novo secretário Clédisson Geraldo dos Santos, que tem larga experiência nas políticas e relação com os movimentos.” O antropólogo mineiro foi anunciado nesta sexta (11) para substituir Yuri.
“Será fortalecido o Sistema de Promoção da Igualdade Racial e a agenda de direitos e para a população negra, quilombola, cigana, povos de comunidades tradicionais e de matriz africana do Brasil.”
O ministério citou também políticas que vêm sendo adotadas pela atual gestão, como uma parceria com a Fiocruz no edital Mãe Gilda de Ogum, que prevê R$ 1,5 milhão para a promoção da atividades dentro dos “seguintes eixos: economia de axé, cultura dos povos de terreiros e comunidades de matriz africana e agroecologia”.
*Colunista da Folha de São Paulo
Leia menos