Por Cláudio Soares*
O Brasil presencia, com crescente inquietação, o avanço da politização do Poder Judiciário (STF) e a consequente judicialização da política. Em um cenário de instabilidade institucional e descrédito generalizado, o Supremo Tribunal Federal — cuja missão constitucional é justamente garantir o equilíbrio entre os poderes — tem protagonizado episódios que em nada colaboram para a preservação da democracia e da legalidade. Ao contrário, escancaram a erosão da discrição, da imparcialidade e do decoro que se espera de seus ministros.
A recorrente exposição midiática de membros da Corte, com entrevistas, declarações públicas sobre casos em julgamento e críticas abertas entre pares sobre seus votos, constitui não apenas uma grave afronta à liturgia do cargo, mas uma violação direta à Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), que impõe aos juízes o dever de sobriedade, reserva e independência. Quando ministros se pronunciam como comentaristas políticos e decisões judiciais, ao sabor das manchetes e das redes sociais, perdem de vista o papel institucional que ocupam.
Leia maisNão se trata de negar aos magistrados o direito à liberdade de expressão. Trata-se de compreender que o exercício da magistratura exige contenção. O juiz fala nos autos — e apenas nos autos. Fora deles, o silêncio não é covardia, é virtude republicana. A toga não pode ser instrumento de vaidade, nem escudo para ambições políticas.
A judicialização da política, por sua vez, revela um outro lado da mesma crise. O Legislativo e o Executivo, por vezes incapazes de assumir responsabilidades e lidar com temas sensíveis, recorrem ao STF como quem entrega a um tribunal a função que deveria caber ao voto popular. O Supremo, nesse contexto, deixa de ser árbitro e assume, perigosamente, o papel de protagonista — com decisões que muitas vezes extrapolam os limites da interpretação constitucional e invadem o terreno da legislação.
Esse ciclo — em que a política se refugia no Judiciário e o Judiciário se arroga o direito de fazer política — enfraquece todos os poderes e compromete a separação entre eles. Ministros que se digladiam em público, trocando farpas em sessões televisionadas ou entrevistas à imprensa, prestam um desserviço à Justiça e ao país. A divergência técnica é saudável; o confronto personalista, não.
É preciso restaurar a compostura. O Supremo Tribunal Federal não pode se tornar um partido informal, dividido em alas ideológicas, comprometido com projetos pessoais em vez de com a Constituição. A legitimidade da Corte não se constrói com likes, manchetes ou holofotes, mas com discrição, coerência e fidelidade aos princípios que fundamentam o Estado de Direito.
Democracias sólidas exigem instituições sólidas. E instituições sólidas não se constroem com discursos, mas com responsabilidade, equilíbrio e respeito à função pública. Que o STF retome o caminho da sobriedade — antes que se torne irreversivelmente mais um ator no palco das disputas políticas do país.
*Advogado e jornalista
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