Por Antonio Magalhães*
Tiranos, perseguidores, assassinos, violentos, agiotas, glutões, todos eles têm lugar garantido no Inferno de Dante. Podem ser banhados num rio de sangue fervente, cutucados por demônios chifrudos e ou mordidos por um cão de três cabeças. É o que relata um dos mais importantes livros da cultura ocidental de todos os tempos, o poema épico “Divina Comédia”, escrito pelo italiano Dante Alighieri (1265-1312).
O inferno relatado pelo poeta está nas profundezas do globo terrestre, simbolicamente o lugar da queda do corpo do Anjo expulso do Paraíso, o Lúcifer. Nesta cratera, as paredes são círculos concêntricos onde estão recolhidas as almas penitentes do castigo eterno. As seções punitivas abrigam aquelas com comportamentos ofensivos, às que agem com violência, cometem fraude e traições. “São dos tiranos que viveram da pilhagem e do sangue derramado. Aqui elas pagam pelos impiedosos danos”, acentua o poeta.
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Dante captura a essência da alma dos homens, a ponto da “Divina Comédia” ser mandada para o espaço para flutuar no éter por tempo indefinido, como um testemunho da vida e da cultura na Terra. Se algum ET acessar o livro feito em titânio e ouro vai conhecer o que tem de pior nos terráqueos descrito no inferno dantesco e à atenuação dos pecados das almas melhoradas pela passagem no Purgatório e Paraíso.
A “Divina Comédia”, que não tem nada de engraçada, já foi lida, relida, discutida, estudada e continua tão atual como no tempo de Dante, na era medieval. Ela retrata nos círculos do Inferno a sordidez humana vigente até hoje. São nove círculos que passo agora a transcrever em resumo. E queria que ao final da leitura, você pudesse reconhecer em personagens contemporâneos os desmantelos registrados por Dante. Vamos lá:
A jornada de Dante começa com o encontro do espírito de Virgílio no ‘Portão do Inferno’, “uma porta sem cadeados e uma advertência: Deixai de fora toda esperança, ó vós que entrais”. Na antessala do mal, os indecisos e covardes não podem ir para o Céu nem para o Inferno e agonizam por ali.
No 1º Círculo, o Limbo, não há sofrimento nem lamentação, apenas suspiro e desesperança. Abriga as almas, em vida, virtuosas, mas que não foram batizadas.
No 2º Círculo, os luxuriosos são recebidos pelo monstro Minós que, com sua cauda, envolve o pecador. Pelo número de voltas do rabo é indicado o círculo que o condenado vai habitar. Num lugar nada agradável, com certeza.
Já no 3º Círculo ficam os glutões ou gulosos afundados na lama sem poder falar com os vizinhos. E ainda são açoitados por uma chuva de neve e granizo. Para piorar, segundo Dante, são atacados por Cérbero, o cão de três cabeças da mitologia grega, que os morde continuamente.
Os avarentos e esbanjadores também têm seu espaço no 4º Círculo: “quem foi pão-duro demais ou gastou além da conta fica por aqui. Numa analogia à roda da fortuna, a pena para quem não sabe lidar com as finanças é passar a eternidade rolando grandes e pesadas pedras e colidindo incessantemente uns com os outros”.
No 5º Círculo estão os irados e rancorosos. A pena para quem não controlou a raiva é viver mergulhado na lama nojenta do rio Estige. Lá, os irados ficam batendo, chutando e mordendo uns aos outros. No fundo do rio, os rancorosos, que nunca externaram sua raiva, suspiram borbulhas fedorentas.
Os hereges do 6º Círculo, de acordo com o poeta italiano, estão atrás das muralhas da “Cidade da Dor Eterna”. Os que não acreditaram na existência de Deus queimam em brasa dentro de tumbas abertas. “Aqui fica a fronteira entre os pecados cometidos sem intenção e os executados conscientemente”.
No primeiro giro do 7º Círculo, onde estão os violentos contra pessoas sob a guarda do Minotauro, o poeta Dante vê a punição de tiranos e assassinos num rio de sangue fervente. Os criminosos estão imersos até os olhos e levando flechadas. Já na floresta deste círculo, suicidas viram plantas devoradas por harpias, enquanto blasfemos e agiotas se “refrescam” na chuva eterna de brasas em pleno deserto.
O 8º Círculo está destinado aos fraudadores. “São dez valas circulares, uma mais profunda que a outra, onde são punidos os enganadores – de ladrões a puxa-sacos. Eles levam surras de demônios chifrudos, são enterrados de cabeça para baixo, fervem na lava e são picados por cobras”.
O 9º Círculo abriga os traidores. No fundo do inferno, ficam os que cometeram o pior dos crimes: a traição. Eles, de acordo com o Dante, mergulham num lago congelado, chamado Cócito, ficando com a cabeça e o tronco de fora. Os queixos batem de frio e suas lágrimas congelam, levando-os ao desespero.
No centro do 9º círculo, o próprio Lúcifer se encarrega de torturar os que traíram os próprios benfeitores. “O coisa-ruim tem três cabeças e em cada boca tritura um traidor: Judas – que traiu Jesus –, Brutus e Cássio – traidores de imperadores romanos”.
A visão do Inferno de Dante revelando as punições a crimes hediondos pode ser exagerada para os dias de hoje, embora as transgressões continuem as mesmas. Mas você que deixou a esperança do lado de fora do “Portão do Inferno”, para seguir nesta jornada, pode reavê-la ao sair para tocar sua vida sabendo que os exemplos descritos são encontrados no dia-a-dia e que você possa reconhecê-los e se afastar deles.
A jornada pelo Purgatório e Paraíso da Divina Comédia é mais amena, mas profundamente educativa. Fica-se sabendo que há vagas no Paraíso para as boas almas. Seja uma pessoa melhor e vai ocupar uma delas. É isso.
*Jornalista
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