Por Aldo Paes Barreto
Cidade dos rios e das pontes, o Recife também é a metrópole das ruas com denominações poéticas. Becos, vielas, estradas, praças plenas de poesias e de denominações históricas, nascidas no ventre da população. Em algum momento serviram de inspiração, de evocação, de paixões eternas, além de hospedarem mangueiras, sapotizeiros, pontos de encontro e de amores feitos e desfeitos. Não faltaram homenagens aos ricos, famosos e poderosos. Nobres, plebeus, santos, pessoas ou coisas menos célebres, personagens mais queridas pelos moradores de algum tempo.
Nas três esferas da legislação – estadual, municipal e federal – bem que se tentou várias vezes organizar o espaço urbano. Esbarravam sempre em algum esperto querendo puxar o saco dos poderosos. Recentemente fizeram um puxadinho para homenagear o distinto governador Miguel Arraes. E a tradicional Avenida Norte – a exemplo do que havia acontecido om o Aeroporto dos Guararapes, acrescido do nome de Gilberto Freyre – recebeu Arraes de quebra. Mesmo assim, entre tantas e tão diversas homenagens, as mais expressivas lembranças permanecem graças aos que nasceram ou ali viveram. Contam suas histórias.
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Quando o sensato, lúcido e político ocasional Gustavo Krause, foi prefeito do Recife (1979 a 1982) restaurou velhas denominações que deveriam ficar ao lado das novas identidades. Recentemente, o professor Sílvio Amorim pesquisou e foi buscar a História Escrita nas Paredes. Depois disso; muita gente fixou sabendo que no Arruda, havia a Rua dos Sete Pecados Capitais. Quem morava perto já havia tomado os necessários cuidados e batizaram nas proximidades uma rua como da Regeneração. Fazia sentido, até porque perto também ficava e fica a Rua das Moças. Todo cuidado era pouco. Já a Rua dos Prazeres, está prudentemente mais longe e situada perto da perfumada Rua do Jasmim, no bairro dos Coelhos.
São identidades que nasceram do povo e, muitas delas, voltaram no passo do frevo, através dos melhores poetas e compositores – Antônio Maria, Capiba, Nélson Ferreira, Getúlio Cavalcanti, Luiz Bandeira, Carlos Penna. Um balsamo.
“Cidade metade roubada ao mar, metade à imaginação’, como poetizou Carlos Penna, o Recife também pagou alto tributo aos ávidos religiosos. Incontáveis santos, santas, padres e bispos fazem parte da nossa geografia urbana. Em troca, o recifense trata sem maior cerimônia ou respeito, esses santos da devoção católica. Poucos chamam, por exemplo, o Morro Nossa Senhora da Conceição antepondo a denominação religiosa. É apenas o Morro da Conceição. Como é o Largo da Paz, a antiga Rua da Guia, da Penha, do Rosário, da Conceição. Simples, assim. Já os aristocratas integrantes da cúpula da Igreja Católica receberam o tratamento solene de cada estágio funcional: Praça Dom Vital, Ruas Bispo Cardoso Ayres, Vigário Tenório, Padre Inglês.
Quem ficava mais perto do povo – vielas, becos –, era batizado com intimidade de colega de escola: Beco do Cu-do-Boi, do Passa a Perna, da Facada, do Quiabo, do Veado, do Sirigado e os muito antigos Becos das Crioulas, das Miudinhas, do Escuro, do Sarapatel, da Bomba, da Prata, da Panela, do Peixe Frito, do Marisco. Foi através desses estreitos caminhos de nomes saborosos e exóticos, que o Recife andava e lutava contra os invasores holandesa num passado já remoto.
Mas, é em Olinda, a histórica e eterna cidade, que fica o resistente Becco das Cortezias, assim mesmo com dois “cês” e o z, registra o gesto que cada passante que se inclina ao subir ou joga o corpo para trás, quase traçando uma linha oblíqua.
Com toda certeza, é o único lugar do mundo onde quem sobe se curva diante de quem desce.
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