Por Osório Borba Neto
O governo de São Paulo transformou a Sabesp em manchete de pregão. Vendeu na B3 o que era, até pouco tempo atrás, um símbolo da capacidade pública de gerir o essencial. Prometeu eficiência, investimentos, expansão. E o que se vê agora? A Agência Reguladora do Estado (Arsesp) discutindo reduzir a pressão da água por até 16 horas diárias, às vésperas de um rodízio. É o retrato cru do discurso liberal quando confrontado com a física dos mananciais e a aritmética da escassez.
Quando a água passa a ser tratada como ativo financeiro, muda-se a lógica: o cidadão vira cliente, o direito vira produto, e o lucro vira bússola. A universalização, que é cara e demorada, deixa de ser prioridade. E a equação de mercado não se preocupa com quem vive no fim da linha ou na ponta seca da rede. A água, que sempre foi questão de soberania, vira aposta de portfólio.
Leia maisEm Pernambuco, a governadora Raquel Lyra anuncia o mesmo caminho para a Compesa. A promessa é destinar aos municípios o produto da privatização, como se fosse uma partilha generosa. Mas o que se vende, na prática, é o controle sobre o bem mais vital de todos. A Compesa é falha, sim – envelhecida, às vezes ineficiente –, mas é nossa. É do Estado. Está sujeita à transparência pública, ao controle social, ao voto e à crítica. Privatizá-la é entregar o comando da torneira a quem responde não ao cidadão, mas ao acionista.
Há quem diga que o problema é o Estado – que basta vender para que a eficiência floresça. Mas o liberalismo de gabinete esquece que saneamento é serviço de rede, de longo prazo, sem retorno rápido, dependente de subsídio cruzado e de planejamento. Nenhuma empresa privada investe vinte anos para levar água ao Sertão sem expectativa de lucro. O Estado, sim. Porque esse é o papel do Estado: garantir o essencial aonde o mercado não chega.
Veja o exemplo da saúde pública em Pernambuco. Anda mal, padecendo de filas, desassistência e falta de médicos, muriçocas, teto caindo em UTI neonatal! Diante disso, Raquel Lyra proporia privatizar os hospitais públicos como solução? Evidente que não. Ou, ao menos, não fez até agora. O problema não está no caráter público do serviço, mas na má gestão, na ausência de políticas consistentes, de planejamento e de governança. Com a Compesa, é o mesmo: o que se precisa é reformar, não entregar.
O caso paulista é um aviso: o “bater descontrolado do martelo” na Bolsa pode parecer modernidade, mas ecoa vazio nas torneiras. Reduzir a pressão da água é reduzir a pressão sobre quem lucra com ela. E, quando o lucro se sobrepõe ao direito, a sede deixa de ser um problema social e passa a ser uma variável financeira.
Privatizar a água é o tipo de decisão que, feita uma vez, não se desfaz. É abrir mão de um dos últimos instrumentos de soberania pública sobre o que é, em essência, um bem comum. O que se espera do governo não é que venda o que é de todos, mas que administre com coragem o que herdou: um sistema falho, sim, mas público. Porque água é vida – e vida não cabe em balanço patrimonial.
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