Por Aldo Paes Barreto*
Nesta época do ano, quando as cinzas da queima da Lapinha já não ardiam, as emissoras de rádios, lojas de discos, programas de auditórios passavam a tocar frevos. Era o prenúncio do carnaval, antecipado pelos ensaios de bloco, os “gritos de carnaval”. Os frevos, em várias versões, estimulavam a alegria de ser pernambucano.
Nas demais épocas do ano, os compositores produziam diferentes ritmos, embalavam outras festas, todas pulsando a energia que vinham das nossas raízes ou captadas de outros povos antigos e criativos. Evocações. As orquestras letradas e os movimentos musicais harmoniosos, apanhavam a vivência popular e devolviam sob forma de ritmos e danças eternizados em partituras, danças e cantorias.
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Ciranda, maracatu, baião, xote, música armorial. E o mais característico de nossa riqueza maior: o frevo. Poucos se davam conta dessa fortuna cultural, do imenso legado, sincopado e frenético, fazendo o gozo das ruas reunindo crenças, folguedos, poesias em festa democrática, com a magia de momentos felizes desembocando nos clubes e salões mais elitizados.
Era assim.
Lá pelo final do século passado, o maestro brasileiro Júlio Medaglia voltava da Alemanha onde, na Escola Superior de Música de Freiburg, obteve mestrado e ministrou vários cursos de regência e de interpretação sinfônica. Em 1993, ao regressar a São Paulo ele revelou, em entrevista à Folha de São Paulo, sua extrema admiração pela “riqueza musical de Pernambuco”. Medaglia enfatizava que nossa música – o frevo – era a maior do Brasil e suplantava toda a Europa.
Nessa entrevista o maestro consagrado contou um fato surpreendente: músicos da Filarmônica de Berlim não tiveram a técnica e o pique suficiente para tocar frevo. Pediram tempo para se identificarem com o ritmo. Não é tarefa fácil. O frevo é explosão musical e dança individual, libertação corporal, mistura de capoeira com passos dos cossacos russos, empolgação de marcha militar e até a suavidade nostálgica de música sacra, como sugerem as marchas regresso e os frevos de Levino Ferreira.
Na época da entrevista, o já respeitado maestro antecipava que as redes de TV “estavam devastando as manifestações musicais pernambucanas, através do bombardeio incessante de música de qualidade inferior”. Ali, estava a explicação antecipada do crescente desconhecimento musical, do caminho para seduzir as massas ignaras, do tempero rápido para se ganhar dinheiro com o mercado do divertimento. Pobre, pueril e de profundo mau gosto. A massa precária adora baticum primitivo e duplas caipiras, que um só cantante já não dá conta.
Há uns dez anos, o que já estava ruim, piorou. Os governantes recifenses entenderam promover o carnaval multicultural. Na verdade, o carnaval anticultural. Aliados não faltaram, nem faltam. No Recife, existe até lei municipal obrigando emissoras de rádio, concessões de serviço público, a executarem determinado número de frevos na programação diária. Nunca foi cumprida. Os poderes públicos, prefeituras e governo estadual preferem pagar cachês milionárias a artistas alheios à musicalidade pernambucana do que contratar os profissionais da terra. Como em desfile de escola de samba, dos bicheiros cariocas, tem sempre a comissão de frente.
Fazer o quê?
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