Por Flávio Chaves*
Tem coisas que a vida não soube segurar. Momentos que escorregaram pelos dedos do tempo, palavras que ficaram no ar esperando uma coragem que nunca chegou, gestos que foram adiados até sumirem no calendário. Às vezes, o que dói não é o que foi vivido, mas aquilo que nunca chegou a ser.
Ninguém nos ensina o que fazer com os abraços que não demos. Com os olhares desviados quando tudo pedia permanência. Com a vontade de ficar que foi calada pelo medo de incomodar. A vida vai nos empurrando para frente — e, nessa pressa, deixamos pedaços delicados para trás. Pequenos sonhos, promessas sem voz, sentimentos que não encontraram espaço para florescer. E então seguimos, como se isso fosse normal. Como se o silêncio não gritasse por dentro.
Leia maisQuantas vezes alguém passou por nós e levou uma parte que era nossa? Quantas vezes nos despedimos sem dizer adeus? Há cenas que não foram filmadas, amores que não se contaram, mãos que queriam se tocar, mas ficaram imóveis — paralisadas pela dúvida ou por um resto de orgulho. Tudo isso ainda mora em algum canto da gente. Porque o que não foi vivido não morre: adormece, mas acorda quando menos se espera.
De repente, é uma música que toca e traz de volta aquele dia que nunca chegou a existir. Uma carta que nunca escrevemos. Uma saudade que não tem nome. E tudo volta: com a delicadeza de um sopro e a força de uma onda. Porque o coração não esquece o que desejou com verdade. Ele apenas guarda — como quem espera um reencontro impossível.
E é nesse intervalo entre o que foi e o que poderia ter sido que a gente vive. Carregando no peito todos os “quase”, os “se”, os “por pouco”. A vida segue, mas há um lugar em nós que não se move. Um lugar feito de ausências queridas, de promessas que apenas o silêncio escutou, de histórias interrompidas que ainda doem como se tivessem acontecido ontem.
Por isso escrevemos.
Para que o que não coube na vida encontre lugar no papel.
Para que as emoções sem endereço possam repousar em cada palavra.
Para que o mundo saiba que havia mais em nós do que conseguimos mostrar.
E se você sentir vontade de chorar, não se envergonhe.
Às vezes, o pranto é apenas o corpo dizendo:
ainda carrego tudo o que não coube na vida.
*Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras
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