Favorito para assumir a vaga de Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado-geral da União, Jorge Messias, adotou em sua tese de doutorado o discurso do PT e de Lula de que a investigação – que levou o petista a ser preso por 580 dias – “criminalizou a política e a ação estatal” de forma “irresponsável”.
As posições de Messias sobre a Lava-Jato constam na tese de 328 páginas que ele apresentou em julho do ano passado para obter o título de doutor em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional pela Universidade de Brasília (UnB). A Lava-Jato não é o foco da tese, mas aparece na recapitulação histórica sobre o Estado brasileiro, com destaque para o período que se seguiu à promulgação da Constituição de 1988. Chefe de Messias, Lula é citado 75 vezes. As informações são do Blog de Malu Gaspar para o jornal O GLOBO.
Leia maisAssim como Cristiano Zanin, que foi advogado do ex-presidente nos processos relativos à operação e virou ministro do STF, Messias também foi um personagem da Lava-Jato. É ele o “Bessias” a quem Dilma se refere na gravação que ficou célebre ao ser divulgada por Sergio Moro, então juiz da 13a Vara Federal de Curitiba.
Na conversa telefônica, a presidente avisa a Lula que mandaria Messias, que era então subchefe de assuntos jurídicos da Casa Civil, para entregar o termo de posse como ministro. A nomeação de Lula visava afastar a ameaça de impeachment e garantir a ele foro privilegiado, afastando o risco de Moro determinar sua prisão em primeira instância. Lula chegou a tomar posse, mas a divulgação dos diálogos fez com que o ministro Gilmar Mendes, do STF, cancelasse o ato em uma liminar.
Na tese, Messias se propõe a analisar o terceiro mandato de Lula e o papel da AGU “na retomada do desenvolvimento nacional”. O texto é rico em críticas às administrações de Michel Temer e Jair Bolsonaro, que, em sua visão, promoveram uma “redução de direitos”, com a reforma trabalhista e a da previdência, respectivamente.
Para Messias, a operação comandada por Sergio Moro e a instabilidade que ela provocou – para ele “deliberadamente” – estão na origem da crise política que levou ao “golpe” contra sua ex-chefe, assim como a perda de apoio no Congresso e a crise econômica do período.
Além disso, ela teria levado a uma visão negativa do papel do Estado. “Era época do Teto de Gasto e das privatizações de Temer”, escreveu Messias, que as vê como “resposta às investigações da Lava-Jato, que, de maneira um tanto superficial e irresponsável, acabaram por criminalizar a política e a ação estatal.
O advogado-geral da União diz ainda que a Lei de Responsabilidade das Estatais, “apesar de alguns avanços, estabelece discriminações desarrazoadas e desproporcionais – por isso mesmo inconstitucionais – contra aqueles que atuam, legitimamente, na esfera governamental ou partidária”.
A menção à Lei de Responsabilidade das Estatais, ou Lei das Estatais, não é aleatória. A legislação foi sancionada por Temer para blindar a Petrobras e outras empresas públicas de ingerências políticas, após os desvios bilionários de corrupção que vieram à tona durante a Operação Lava-Jato.
Conforme informou o blog, Messias atuou nos bastidores do Supremo ao longo do ano passado para que a Corte não implodisse as nomeações políticas do governo Lula para as estatais, ainda que o plenário da Corte derrubasse uma liminar do ex-ministro Ricardo Lewandowski e acabasse considerando válidas as restrições impostas pela legislação para a ocupação de cargos públicos.
Em uma vitória para o Palácio do Planalto, foi justamente isso o que acabou ocorrendo: em maio do ano passado, ou seja, dois meses antes da defesa da tese de Messias, o STF validou a Lei das Estatais, mas não anulou as nomeações políticas de Lula sob o argumento de não provocar insegurança jurídica.
STF e a Lava-Jato
A Lava-Jato também é citada outras quatro vezes ao longo da tese, intitulada “O centro de Governo e a AGU: estratégias de desenvolvimento do Brasil na sociedade de risco global”.
Em uma delas, Messias afirma que o processo do mensalão – que colocou a cúpula do PT na berlinda e levou à prisão do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu – e as decisões da Lava-Jato botaram o Supremo “no centro do debate político do país”.
“Entre 2012 e 2018, multiplicaram-se críticas da esquerda sobre o conservadorismo e autoritarismo do judiciário e do STF, que estariam atuando de maneira partidarizada em detrimento dos interesses do Partido dos Trabalhadores e dos próprios trabalhadores e movimentos sociais. A própria prisão do ex-presidente Lula, bem como a negação do registro de sua candidatura em 2018 reforçaram as censuras”, escreveu Messias.
“Na realidade, a autoridade do Supremo Tribunal Federal estava sendo solapada por movimentos sociais autoritários e por instâncias inferiores do judiciário, que, em última instância, buscavam reverter a própria ordem constitucional de 1988.”
Em abril de 2018, o STF negou um habeas corpus para impedir a prisão de Lula, que havia sido condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá, o que o enquadrou na Lei da Ficha Limpa. Em setembro daquele ano, o plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) negou o registro de candidatura do petista, por considerá-lo inelegível por conta daquela condenação.
Messias, no entanto, destaca que o STF conseguiu “estancar os abusos da Lava-Jato, reverter decisões injustas de instâncias inferiores e fazer frente às ameaças golpistas que ganharam ímpeto renovado com a chegada de Bolsonaro à presidência”, em um discurso que remete ao ministro Gilmar Mendes, a voz mais crítica no STF à investigação.
Coube ao STF derrubar as condenações de Lula na Lava-Jato, declarar o ex-juiz federal Sergio Moro parcial na condução das investigações e reabilitar o petista na arena política, restaurando a sua elegibilidade e pavimentando o caminho para que o petista enfrentasse Bolsonaro nas eleições de 2022. Mas os desafios persistem, frisa o AGU.
“Se, desde os anos 1990, já existia um percentual significativo de eleitores que se opunham ao PT, a partir da Operação Lava-Jato e da ascensão do bolsonarismo, esse movimento organizou-se de modo a estar apto para estruturar o debate político e oferecer suas próprias lideranças radicalizadas”, afirmou Messias.
“Nesse sentido, o terceiro mandato do presidente Lula enfrenta dificuldades superiores às observadas durante outros governos petistas, já que há uma oposição radicalizada, organizada e popular desde o primeiro dia de janeiro de 2023.”
O que diz a AGU
Procurada pelo blog, a assessoria da AGU alegou que a tese “trata da defesa de pontos de vista com base em critérios acadêmicos e jurídicos”, e não políticos.
A tese de Messias recebeu nota máxima, com louvor – SS, o equivalente à menção “superior”, na escala da UnB.
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