Por Heverton Lopes*
Gravatá, onde até os fantasmas têm fé, salário e padrinho federal. Lugar onde o frio da serra contrasta com o calor das nomeações.
Aqui, o funcionalismo público virou uma espécie de espiritismo administrativo: há cargos ocupados por pessoas que ninguém vê, ninguém conhece, mas que recebem religiosamente — como se fossem santos da folha de pagamento.
Os fantasmas de Gravatá não assustam. Eles confortam. São nomeados com carinho, protegidos por manobras jurídicas e sustentados por um concurso público que, veja só, foi paralisado.
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Mais de 30 mil inscritos, destes, 13 mil gravataenses, esperavam uma chance legítima. Mas o concurso virou peça de ficção, suspenso por uma misero decreto que mais parece roteiro de novela — daquelas em que o mocinho nunca chega ao final feliz.
Enquanto isso, os cargos comissionados se multiplicam como pão em ceia política. E dois deles, pasme, foram entregues ao deputado federal da gestão, que, num gesto de fé e influência, nomeou seus próprios pastores para funções públicas. Um casal evangélico, que deveria estar cuidando de almas, agora cuida de um cargo de diretor de imprensa — fantasma, claro. Não aparecem, não trabalham, mas recebem. E ainda têm tempo para administrar lojas de iPhone e trabalhar fichado na capital. Milagre? Não. É só Gravatá.
O pai da pastora é o pastor do deputado. É quase bíblico: “em nome do pai, do filho e do cargo comissionado.” A fé virou moeda política, e o púlpito, trampolim para a folha de pagamento. O Ministério Público investiga, o povo se indigna, mas os fantasmas seguem firmes — como se tivessem estabilidade espiritual.
A prefeitura diz que tudo está dentro da legalidade. Mas em Gravatá, a legalidade é elástica. Estica até caber o interesse do prefeito, da primeira-dama, do deputado e de quem mais souber rezar a cartilha do poder. O concurso público, que deveria ser a porta de entrada para a meritocracia, virou cortina de fumaça para esconder os bastidores da nomeação seletiva.
Gravatá não precisa de exorcismo. Precisa de transparência. Porque quando até os pastores viram fantasmas administrativos, é sinal de que a fé pública está sendo usada para justificar o inexplicável.
E o povo? O povo estuda, paga inscrição, sonha com estabilidade. Mas vê seu sonho suspenso por decreto, enquanto os fantasmas fazem festa nos bastidores.
Gravatá não está sendo mais governada — está sendo enganada por um teatro onde o invisível é bem remunerado e o visível é ignorado.
*Advogado
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