O Globo
Morreu, na noite deste domingo, aos 73 anos, o cantor e compositor Lô Borges, um dos fundadores do histórico movimento Clube da Esquina e referência da MPB. Ele estava internado no Hospital Unimed, em Belo Horizonte, desde 18 de outubro, para tratar um quadro de intoxicação medicamentosa. Depois de passar por traqueostomia, Lô vinha respirando com auxílio de ventilação mecânica. Ainda não há informações sobre velório.
Ícone de um movimento
Garoto da rua, da bola de gude, Lô Borges seguiu menino a vida inteira. A esquina, o clube, tudo passa por ele. Nascido em Belo Horizonte no dia 10 de janeiro de 1952, Salomão Borges Filho, construiu uma das trajetórias mais marcantes da nossa música. Ao lado de Milton Nascimento, Beto Guedes, Fernando Brant e do irmão, Márcio Borges, entre outros nomes, foi peça fundamental no movimento que revolucionou a música brasileira nos anos 1970, unindo sonoridades latino-americanas ao rock, ao jazz e à música folclórica.
Leia maisEra Lô quem organizava, nos idos dos anos 1960, o encontro da molecada no cruzamento das ruas Divinópolis e Paraisópolis, no pacato bairro de Santa Tereza, região leste de BH. Aquela turma, que inicialmente se reunia para papear, jogar bola e tocar violão, inspirou a canção “Clube da Esquina”, presente no quarto álbum de Milton Nascimento, “Milton” (1970), e que acabou batizando também um discos mais celebrados no Brasil: “Clube da Esquina”, de Milton Nascimento e Lô Borges, de 1972.
A música virou disco e o disco virou movimento. Mais do que um jeito de se fazer canção, virou um estado de espírito — não há nada parecido com o Clube da Esquina e todas as suas camadas, viagens de ventania. Algumas referências vieram de fora pra dentro, como os Beatles, pilar fundamental da estética inaugurada por aquela safra de músicos e letristas mineiros. Mas vieram, principalmente, dali mesmo, de Minas Gerais e de sua geografia montanhosa, das janelas laterais, das vielas, das ladeiras íngremes, e de toda sua cultura própria, da qual Lô e companhia sempre cantavam orgulhosos. “Sou do mundo, eu sou Minas Gerais”, disseram na canção-carta “Para Lennon e McCartney”, parceria dele com Fernando Brant e Márcio Borges, famosa na voz de Milton.
Lô era um dos 11 filhos do jornalista Salomão Borges e da professora Maria Fragoso Borges, a Dona Maricota, que moravam na Divinópolis, numa casa que está de pé até hoje e que ainda pertence à família. Como um personagem vivo, a tal casa foi fundamental não só para o movimento que se estabeleceria mais tarde, servindo de abrigo para diversos encontros da turma que orbitava os Borges, entre eles Toninho Horta, Wagner Tiso, Tavito, Flávio Venturini e Beto Guedes.
O encontro com Milton
Por um problema na fundação, a residência dos Borges em Santa Tereza entrou em obra. Salomão, Dona Maricota e a prole, então, se mudaram para o Edifício Levy, no Centro de BH. Por acaso, na escada do Edifício Levy, Lô conheceu uma voz incomum. O encontro mudaria de vez a música popular brasileira.
— Uma semana depois que chegamos no Levy, minha mãe pediu que eu fosse comprar café, leite e pão. Como todo garoto, preferia escada ao elevador —contou Lô Borges ao GLOBO em entrevista publicada em 2022. — Morávamos no décimo sétimo andar. Descendo os degraus, de repente me deparo com um som divino, que ficava mais alto conforme eu descia. Eram uns falsetes de voz acompanhados de violão. Quando cheguei no quarto andar, estava lá o Bituca. Eu era uma criança de 10 anos e o Milton um cara de 20, mas não fez a menor diferença, rolou uma empatia forte. Fiquei totalmente seduzido, abduzido pela voz e pelo violão dele.
Milton logo virou praticamente o 12º filho de Salomão e Dona Maricota. Com Márcio Borges, um dos irmãos mais velhos de Lô, ele compôs suas primeiras canções. A dupla assistiu a três sessões seguidas do filme “Jules et Jim”, de François Truffaut, no Cine Tupi, e saiu inspirada. No 17º andar do Levy, na mesma noite, fizeram “Paz do amor que vem” (que depois virou “Novena”), “Crença” e “Gira girou”. Asduas últimas entraram para o álbum de estreia de Milton, “Travessia”, de 1966.
A consolidação do movimento no Rio de Janeiro
Se o Clube da Esquina, enquanto pura agitação juvenil, nasceu nas ladeiras do bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte, sua consolidação como movimento musical singular se deu no Rio de Janeiro, como explicou o próprio Lô Borges em depoimento ao GLOBO em 2022.
— A esquina mesmo da Divinópolis com Paraisópolis era a realidade da família Borges. Ali era eu, meus irmãos e Beto Guedes. Flavio Venturini, Toninho Horta, Nelson Ângelo, Tavito, Wagner Tiso, cada um frequentava os lugares onde eles moravam em Belo Horizonte. Essa esquina não era muito frequentada, a não ser pelo pessoal do meu bairro, que era o bairro de Santa Tereza. Então o chamado movimento Clube da Esquina se deu na cidade do Rio de Janeiro, quando todos esses mineiros foram se encontrar no estúdio da Odeon para gravar “Clube da Esquina”, que o Bituca tinha me convidado para dividir e fazer a metade das músicas — relembrou Lô.
Lô Borges, Milton Nascimento e Beto Guedes moraram por cerca de dez meses em Niterói, entre 1970 e 1971, na então Praia de Mar Azul, hoje conhecida como Prainha de Piratininga. Foi lá que eles compuseram quase todo o álbum “Clube da Esquina”, lançado em 1972.
Antes disso, os amigos passaram meses pulando de apartamento em apartamento na Zona Sul do Rio. Em entrevista publicada pelo GLOBO em 2022, Lô Borges contou que eles não conseguiam parar muito tempo num mesmo imóvel — em plena ditadura militar no Brasil, três jovens músicos cabeludos eram constantemente amedrontados por vizinhos e policiais truculentos.
— Foi aí que um empresário do Milton teve uma luz e conseguiu uma casa num lugar paradisíaco, e nós nos mudamos — explicou Lô sobre a ida para Piratininga.
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