Por Gustavo Henrique de Brito Alves Freire
No mês internacional dedicado à mulher, é tempo de parar, refletir e compreender o quanto a data vai além dos parabéns de praxe e convoca à superação dos discursos motivacionais para que se avance rumo a uma sociedade isonômica entre os gêneros.
A OAB, cuja implantação acaba de completar 90 anos, possui hoje, março de 2023, quase 30 mil mulheres a mais do que homens no seu quadro de inscritos, computadas as 27 Seccionais. No entanto, os números ainda não se refletem nos espaços institucionais.
Leia maisLogo, o grande desafio a ser vencido não é de iniciativa legislativa, é de natureza cultural. É transformar mentalidades.
Durante décadas, a carreira jurídica foi um espaço machista, o que só começou a mudar em 1906 com o ingresso de Myrthes Campos no Instituto dos Advogados Brasileiros. Em pleno século 21, como escrevem Ana Laura Rêgo e Monalissa Dantas em artigo para a revista eletrônica Migalhas de 26/08/2020, continuamos a nos defrontar com dilemas como este: “Se as mulheres são leves em suas palavras, são incompetentes. Ao contrário, se são duras e assertivas, são autoritárias”.
Mesma realidade nos escritórios, ambientes nos quais a sub-representação feminina em postos de comando da mesma maneira salta aos olhos. A ausência de uma “rede de apoio” às mulheres é tão objetiva, quanto perversa.
Se a OAB vai além de um cartório de registros e de uma prensa expedidora de carteirinhas de habilitação laboral, se extrapola o papel de ente classista e de “repartição autárquica” de traço associativista e/ou sindical, se lhe incumbe um protagonismo no Estado Democrático de Direito, e se nenhuma outra instituição similar guarda tamanha responsabilidade, é de se perguntar: o que falta?
Tendo seu primeiro Conselho empossado a 09/03/1933, a OAB ao longo das décadas acompanhou uma narrativa histórica que refletiu o modelo de sociedade que destinou à mulher a sombra a coadjuvância. Como não mudou a sociedade, a OAB também não despertou para entender que precisava mudar.
São versos de Vinicius e Toquinho que vestem como uma luva à reflexão que percorre estas linhas: “Um caminho a gente encontra. Só questão de procurar. Se uma reta está no céu. Uma curva está no mar. Só não se acha saída, quando a morte vem levar”.
Daí por que jamais haveria a OAB moderna de conformar-se com a desigualdade na própria base, o que fez ter eco a cobrança por uma cada vez maior presença feminina no voluntariado. Não somente feminina. Agigantou-se o clamor por uma OAB que seja espelho do dinamismo da sociedade, e não uma foto datada dela, prisioneira do passado.
Dialogar sobre OAB é também curar as feridas deixadas pelo equivocado apoio ao golpe de 1964, arrependido dois meses depois, e reconhecer toda uma atuação corajosa que se seguiu em defesa da vida, contra a censura, em prol das liberdades, sendo a voz de tantos perseguidos, torturados, “suicidados”, desaparecidos e de suas famílias. Na atualidade, é preciso dar o passo seguinte, avançar ainda mais.
Se nos primórdios a advocacia era exercida com esteio em normas dispersas basicamente contidas nas Ordenações Filipinas (1603) e se fomos capazes, como o próprio Direito, de redimensionar teologicamente a importância da profissão, então, que continuemos caminhando, pois, o caminho não nasce pronto, e que assim façamos tendo como meta-síntese a justiça em amplitude, inclusive, dentro de casa.
São 90 ciclos virtuosos ao fim e ao cabo, 90 alvoreceres, numa trajetória que a juventude já não formada de caras pintadas, tão absorvida na nova comunicação das redes sociais, dominada não raro pela sedução das fake news, precisa conhecer. A advocacia continuará salvando a humanidade.
Escreveu José Roberto de Castro Neves: “Os advogados não são perfeitos. É claro. São seres humanos que têm na imperfeição uma das suas características mais marcantes e belas”.
OAB reflexo de um povo, sim, imperfeito, mas que não desiste de sonhar. Vai dar certo. Tem que dar certo.
Todas as homenagens a esta entidade heroica, cuja maturidade a fez sair da própria bolha e se metamorfosear, decorridos 90 anos de sua implantação. Homenagens que ainda serão poucas, tenho certeza.
*Advogado
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