Por Inácio Feitosa*
Na última sexta-feira estive em Teresina acompanhando a formação de mais uma turma de guardas civis municipais. Essa capacitação, conduzida pela Academia de Polícia Civil do Estado do Piauí (Acadepol), segue integralmente a matriz curricular prevista no Estatuto Geral das Guardas Municipais (Lei nº 13.022/2014) e nas diretrizes do Sistema Único de Segurança Pública, o SUSP (Lei nº 13.675/2018). O que presenciei foi a execução disciplinada de um modelo institucional que grande parte do país ainda não implementou: supervisão técnica estadual, formação padronizada, protocolos operacionais unificados, integração a sistemas de informação e preparo completo para o exercício legal do porte institucional. O Piauí transformou aquilo que está previsto em lei em política pública contínua e funcional.
O Estatuto das Guardas Municipais definiu a natureza civil dessas corporações, seu papel preventivo e a possibilidade de porte institucional dentro de requisitos legais específicos. O SUSP complementou ao estabelecer que municípios e estados precisam operar integrados, com intercâmbio de dados, interoperabilidade tecnológica e formação permanente. Nada disso depende de mudanças legislativas: depende exclusivamente de estruturação administrativa, decisão política e continuidade de gestão.
Leia maisO Piauí incorporou esse marco legal com método. A supervisão técnica da Polícia Civil garantiu uniformidade curricular e procedimentos padronizados, permitindo que as guardas fossem integradas a sistemas de inteligência e construíssem ações preventivas robustas. Um exemplo emblemático é o programa de combate ao roubo e revenda de celulares, sustentado por rastreamento de IMEI, análise de dados e atuação conjunta com as forças estaduais.
Segundo dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública do Piauí, mais de 13 mil aparelhos foram recuperados e houve redução próxima de 50% nos roubos de celulares em Teresina. Resultados como esses mostram que o Estado está, na prática, inaugurando um padrão nacional para a formação e atuação das guardas municipais.
Esse avanço evidencia o contraste com diversos municípios do Nordeste, onde a formação ainda é irregular, as guardas atuam sem protocolos, o porte institucional não é regulamentado e a integração ao SUSP não é implementada. Há municípios com orçamento suficiente, estrutura administrativa e base legal definida, mas que permanecem inertes por ausência de decisão. A legislação não é o obstáculo; o obstáculo é a falta de iniciativa administrativa.
A comparação com São Paulo reforça o valor da integração sistêmica. O programa Smart Sampa articula videomonitoramento inteligente, leitura automática de placas, câmeras corporais, análise de dados georreferenciados e comunicação unificada. A Guarda Civil Metropolitana opera inserida nesse ecossistema, demonstrando que tecnologia só produz resultados quando se alinha a protocolos, formação e planejamento, justamente a lógica adotada pelo Piauí e ainda distante da realidade de grande parte do Nordeste.
Há ainda outro ponto que precisa ser enfrentado: a ausência de uma política estadual de formação e padronização em grande parte da região. Sem coordenação do Estado, cada município cria sua própria versão de guarda municipal, com cargas horárias distintas, abordagens díspares e níveis desiguais de capacitação, o que compromete a integração e reduz a eficiência das ações preventivas. O Piauí, ao centralizar a formação na Acadepol, instituiu um padrão único e garantiu que todos os municípios, independentemente de porte ou capacidade administrativa, recebessem guardas tecnicamente preparados.
Pernambuco, por sua vez, não possui um modelo semelhante, o que dificulta a interoperabilidade, aumenta o risco jurídico das corporações e impede a consolidação de uma doutrina estadual de segurança municipal. A inexistência desse padrão tem custo operacional, institucional e social e precisa ser corrigida.
Esse cenário também reacende a discussão nacional sobre a possível mudança da nomenclatura de Guarda Civil Municipal para Polícia Municipal. Embora a alteração nominal não expanda automaticamente competências, ela reconhece o papel que guardas bem estruturadas já exercem ao atuar armadas dentro da legalidade, integradas ao SUSP, com protocolos padronizados e presença territorial contínua. No entanto, essa discussão só é adequada onde a profissionalização já existe. Em municípios que não estruturaram formação nem integração, discutir nomenclatura é deslocar o foco do essencial.
Enquanto isso, Pernambuco enfrenta um quadro crítico. Segundo dados da Secretaria de Defesa Social, divulgados pela imprensa, o estado registrou 3.531 homicídios dolosos em 2023, mantendo-se entre os mais violentos do país. Apesar disso, mais de 130 municípios pernambucanos poderiam possuir guardas civis municipais estruturadas, com formação adequada e integração ao SUSP, mas não avançaram de maneira efetiva. Sem padronização, sem formação e sem integração, a prevenção se torna frágil e a responsabilidade recai inteiramente sobre as forças estaduais.
Nesse contexto, é necessária uma crítica objetiva: quem pretende defender a bandeira da segurança pública precisa necessariamente observar e replicar o modelo adotado pelo Piauí. Não é possível reivindicar protagonismo no tema sem estruturar as guardas municipais conforme determina a legislação federal e sem implementar as medidas que já demonstraram resultados concretos. Ignorar esse caminho é optar por uma política de segurança pública incompleta, que desconsidera a participação municipal prevista no SUSP. A segurança municipal é uma política de Estado e está claramente definida no marco legal vigente; a omissão é administrativa, não normativa.
Com a proximidade das eleições de 2026, a avaliação da sociedade será cada vez mais técnica. Os dados são públicos, o marco legal é claro e os exemplos funcionais estão disponíveis. O desafio agora é transformar essas diretrizes em política pública permanente, com planejamento, formação e integração. A decisão entre avançar ou permanecer na estagnação caberá à gestão estadual, e os resultados serão observados e comparados.
*Advogado, escritor e fundador do Instituto IGEDUC (projetos@igeduc.org.br)
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