BBC News
A Assembleia Geral da ONU de 2025, que começa nesta semana em Nova York, será o primeiro grande palco internacional em que os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump poderão estar frente a frente como presidentes, em meio à escalada da crise entre Brasil e Estados Unidos.
O possível encontro, ainda que sem reunião bilateral confirmada, ocorre no momento em que começaram a ser aplicadas as tarifas de 50% impostas por Washington sobre produtos brasileiros.
Leia maisHistoricamente, o Brasil é o país que abre os discursos na sessão plenária da assembleia. Nos bastidores, fontes próximas à delegação brasileira afirmam que existe uma antessala para os presidentes antes e depois dos discursos, mas não há indicação de que eles necessariamente se cruzarão.
Em entrevista à BBC News Brasil, Lula afirmou não ter “problema pessoal com o presidente Donald Trump” e declarou que, caso cruze com o republicano nos corredores das Nações Unidas nos próximos dias, irá cumprimentá-lo. “Porque eu sou um cidadão civilizado. Eu converso com todo mundo, eu estendo a mão para todo mundo”, disse.
Em agosto, Celso Amorim, assessor especial da Presidência, afirmou à CNN que um encontro formal não está nos planos, mas ressaltou que “nada é imutável” desde que haja gestos que justifiquem uma reunião.
Havia expectativa de que Lula e Trump se encontrassem em junho, durante a cúpula do G7 no Canadá, mas os líderes não cruzaram caminhos. O presidente americano deixou o evento antes do encerramento, alegando a necessidade de se dedicar ao conflito no Irã, o que adiou qualquer possibilidade de gesto de aproximação.
A sequência de desentendimentos começou na primeira semana de julho, quando Trump classificou as acusações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal como uma “caça às bruxas”. Poucos dias depois, em 9 de julho, anunciou a sobretaxa de 50% sobre importações brasileiras.
No dia seguinte, Lula reagiu chamando a medida de “chantagem inaceitável” e prometendo retaliar. Em 15 de julho, o governo brasileiro regulamentou a chamada Lei de Reciprocidade, estabelecendo mecanismos de resposta a sanções estrangeiras.
Na entrevista à BBC News Brasil, Lula disse que a melhor alternativa “para qualquer conflito” é “sentar em torno de uma mesa e negociar”. “Se é do ponto de vista comercial, tem negociação, se é do ponto de vista econômico, tem negociação, tanto do ponto de vista de tributação, tem negociação. O que não tem negociação é a questão da soberania nacional”, pontuou Lula.
Em 1º de agosto, as tarifas norte-americanas entraram em vigor, e em 11 de setembro veio a condenação de Bolsonaro a 27 anos de prisão pelo STF, decisão que reacendeu a disputa: Trump criticou o julgamento, anunciou restrições de vistos a ministros da Corte e Lula respondeu em um artigo defendendo a democracia brasileira.
No texto, publicado no jornal americano The New York Times, Lula se disse a favor de “um diálogo aberto e franco com o presidente dos Estados Unidos”, mas critica duramente as tarifas impostas por Washington.
“O aumento tarifário imposto ao Brasil neste verão não é apenas equivocado, mas ilógico. Os Estados Unidos não têm déficit comercial com o nosso país, nem enfrentam tarifas elevadas aqui. Pelo contrário: acumulam um superávit de mais de US$ 400 bilhões nos últimos 15 anos”.
Ele também rebate a ideia de que haja perseguição política no Brasil e enaltece o papel do Judiciário.
“Tenho orgulho do Supremo Tribunal Federal brasileiro por sua decisão histórica, que protegeu nossas instituições e o Estado democrático de direito. Não se tratou de uma ‘caça às bruxas’, mas de um julgamento conduzido de acordo com a Constituição de 1988”.
Agora, com a ONU como pano de fundo, a presença dos dois líderes em Nova York deve ser acompanhada de perto por diplomatas e observadores internacionais. Mais do que um eventual – e, segundo especialistas, improvável – aperto de mãos, o que se mede é a disposição de Brasília e Washington para frear a escalada de atritos que, em menos de três meses, transformou divergências políticas em uma crise comercial aberta.
Leia menos