Capítulo 40
O Mal do Alzheimer, doença neurodegenerativa crônica, corrói a memória completamente, na medida que o tempo vai avançando. Em grande parte dos casos, a pessoa diagnosticada afasta-se progressivamente da família e da sociedade. Gradualmente, o corpo vai perdendo o controle de suas funções, o que acaba por levar à morte, como ocorreu com o ex-senador Marco Maciel, em 2021, depois de dez anos de terrível sofrimento.
As reações são as mais diversas. Tem gente que tem profundas alterações de humor. De temperamento leve, torna-se agressiva. No caso de Marco Maciel, ele perdeu a motivação para tudo, sobretudo para a política, exercício da sua vida pública por mais de meio século. Perdeu também o interesse por cuidar de si próprio e por tarefas quotidianas.
Leia mais“As pessoas têm muito preconceito com o Alzheimer. Acham que a pessoa começa a falar um monte de bobagem e fica desligado do mundo. Com meu marido, não foi assim. Ele continuou sendo o mesmo homem educado com todos”, revela a socióloga Anna Maria Maciel, viúva do ex-vice-presidente da República, que acompanhou a doença do marido de perto, de 2011 a 2021.
Havia cuidadoras, mas ela ficou ao lado dele, sendo mais que uma cuidadora especial, uma mãe zelosa e especial, revelando um profundo amor por ele em todas as etapas da enfermidade. O terrível mal roubou de Marco Maciel o que ele tinha de mais precioso: a sua memória de elefante, capaz de, no exercício do cargo de governador, se dirigir a interlocutores pelo nome, mesmo estando com eles, em algumas ocasiões, apenas uma vez.
“Ele sabia até os nomes dos vereadores do município em que ia inaugurar obras”, recorda o engenheiro Aloisio Sotero, ex-secretário de Agricultura no Governo de Marco Maciel (1979-1982). O sintoma inicial mais comum é a perda de memória a curto prazo, com dificuldades em recordar eventos recentes. E Marco foi esquecendo e sendo percebido pela família, os amigos.
A consequência mais dolorosa para ele e a família – a esposa Anna Maria e os filhos Gisela, Cristiana e João Maurício – foi o silêncio. “Ele praticamente não conversava nada, olhava em nossa direção com atenção, mas sem palavras”, disse Anna Maria. Com o avançar da doença, foram surgindo novas complicações na vida de Marco Maciel.
Passou a ter confusão mental, alterações de humor, falhas na linguagem, perda de memória a longo prazo e começou a desligar-se da realidade. “Papai ficou praticamente mudo, mas nunca perdeu a boa educação, a gentileza. Lembro que ele levava as cuidadoras até a porta do elevador e abria a porta para elas”, comenta, por sua vez, Maria Cristiana, a segunda filha.
Há registros de pacientes que ficam violentos, gritam e perdem a paciência com tudo. “Com Marco Antônio, foi diferente. Ele ficava em silêncio o tempo todo, não falava, mas também não gritava, mas sua memória foi embora muito rápido, numa velocidade impressionante”, confessa Anna Maria.
“Teve uma vez, por exemplo, que eu cheguei e perguntei: “Quantos filhos você tem?”. Ele me respondeu: “Nove”. Aí, eu brinquei: “Comigo mesmo não!”. E ele disse: “Ah, isso o cartório é que sabe”, comentou Anna, adiantando que, com o tempo, ele foi deixando também de reconhecer os filhos e netos. “Foi um processo muito rápido e muito doloroso para todos nós”, assinala.
A família nunca proibiu visitas de amigos mais próximos de Marco Maciel ao longo do tempo em que ficou sendo acompanhado em Brasília. Um dos mais presentes foi Joel de Hollanda, que o sucedeu no Senado na condição de seu suplente. Antes disso, foi secretário de Educação e, com o tempo, virou interlocutor privilegiado. “Na maioria das vezes que eu ia a Brasília dava uma passadinha na casa dele para visitá-lo, mas chegou num momento que não mais me reconhecia”, disse Joel.
Silvio Amorim, subchefe da Casa Civil no Governo Marco Maciel, recorda que esteve pelo menos três vezes em visita a Maciel. “Com a gravidade da doença, ele já em cadeira de rodas, não fui mais, porque ele já não falava nada. Ao longo de todo o tempo da doença, entretanto, eu me informava em ligações para Anna Maria”, afirma Amorim.
Um dos maiores amigos de Maciel, parceiro de jornadas memoráveis na vida pública, tendo o sucedido na presidência do PFL e no Ministério da Educação, o ex-senador Jorge Bornhausen (SC) disse que não teve coragem de visitar o velho companheiro. “Quis ficar na minha memória com aquele Marco Maciel falante nas horas certas, que me aconselhava, que dava rumo às crises históricas do País desde quando escolhido governador por eleição indireta, como eu”, destacou.
Gradualmente, o corpo do portador do Mal de Alzheimer vai ficando sem o controle das funções, a ponto de perder o equilíbrio no andar. É quando chega a fase da cadeira de rodas. “Foi o primeiro grande choque para a família ver Marco Antônio em cima de uma cadeira de rodas, até mesmo para se deslocar dentro do apartamento”, disse Anna Maria.
As causas do Alzheimer ainda não são totalmente compreendidas. Pensa-se que 70% do risco seja de origem genética com vários genes implicados. Entre outros fatores de risco, estão antecedentes de lesões na cabeça, depressão e hipertensão arterial. O mecanismo da doença está associado às placas senis e aos novelos neurofibrilares no cérebro. No caso de Marco Maciel, o precedente genético foi forte: três irmãos foram acometidos pelo mesmo mal em grau tão forte quanto o dele.
A depressão, segundo a família e amigos, pode ter sido originária da derrota para o Senado em 2010, a única, aliás, em toda a sua história em que submeteu seu nome ao teste das urnas. “Na campanha, a gente percebia que as coisas em termos de memória, especialmente, já não andavam bem com ele”, afirma a desembargadora Margarida Cantarelli, que esteve ao lado de Maciel desde os movimentos estudantis, passando pelo Governo de Pernambuco, Ministério da Educação, Senado e Vice-Presidência da República.
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Marco Maciel foi fiel a Fernando Henrique Cardoso até o último dia em que o presidente da era do Plano Real passou o bastão para Lula.
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