Da Gazeta Pernambucana
Se Dias Gomes ainda estivesse entre nós, talvez trocasse a fictícia Sucupira por Belo Jardim, no agreste de Pernambuco. Lá, o prefeito Gilvandro Estrela, do União Brasil, decidiu eternizar seu nome de um modo inusitado: inaugurando o próprio túmulo com direito a sanfoneiro, poeta, discursos e a trilha sonora de Ave Maria Sertaneja, de Luiz Gonzaga.
O evento aconteceu no Cemitério Municipal São João Batista, com a presença de amigos, políticos e curiosos. Durante a cerimônia, o prefeito descreveu o gesto como um ato simbólico de respeito e reconhecimento ao ciclo da vida. Enquanto uns inauguram escolas, praças ou hospitais, ele preferiu garantir logo o endereço final, cercado de aplausos e emoção.
Leia maisA cena parecia saída de uma novela brasileira. Um político, diante de sua morada eterna, embalado por música sacra e discursos poéticos. Faltava apenas Odorico Paraguaçu, de microfone em punho, discursando sobre a moralidade necrológica e o civismo tumular daquele grande feito administrativo.
A verdade é que Belo Jardim não está só. O vídeo que circula nas redes sociais, reunindo cenas políticas de todo o país, mostra que o Brasil vive uma era de espetáculos públicos dignos de realismo mágico. É o país onde prefeitos posam sobre asfalto ainda quente, parlamentares se engalfinham em plenário e obras inacabadas são entregues com fita e discurso.
A política nacional parece ter incorporado a estética da comédia popular. O improviso virou método, o palco virou palanque e o riso, uma forma de resistência diante do absurdo. Há quem inaugure pontes que desabam antes da foto oficial e agora, coroando o surrealismo, quem inaugure o próprio túmulo em vida.
Se O Bem-Amado nasceu como sátira, o Brasil transformou o enredo em documentário. Cada município tem o seu Odorico, o seu Zeca Diabo e a sua plateia fiel. O cemitério virou palco, o microfone virou cetro e o aplauso, bênção.
A prefeitura garante que o evento não utilizou recursos públicos, o que já é, de certo modo, um consolo. Mas o gesto revela uma tendência curiosa: a de transformar a política em espetáculo e o espetáculo em política.
Enquanto o sanfoneiro tocava Ave Maria Sertaneja, o prefeito afirmava sentir “os amigos e seresteiros que já partiram ali presentes”. Talvez estivessem mesmo, porque a cena parecia uma reunião de vivos e mortos em perfeita harmonia estética.
O teatro político brasileiro, que já teve seus atos no Congresso, agora se reinventa nos cemitérios. Em Belo Jardim, a morte virou solenidade e o túmulo, tribuna.
Como diria Odorico Paraguaçu, se pudesse comentar: “Nunca antes na história deste país se viu tamanha antecipação cívico-funerária”. Um gestor que, de corpo presente e alma vivíssima, resolveu garantir sua eternidade com solenidade e sanfona.
E o Brasil, entre o riso e o espanto, segue aplaudindo o espetáculo da política, essa arte tão nossa de fazer rir para não chorar.
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