Por Marcelo Tognozzi
Colunista do Poder360 
O presidente Lula desembarcou na Indonésia defendendo menos tarifas, falou de “democracia comercial e não protecionismo”. Para quem não conhece o Brasil de perto, discursos como este podem soar como música. Mas a realidade nua e crua é bem diferente. O presidente fala em multilateralismo e comércio mais aberto, porém praticamos exatamente o contrário aqui e, por isso, a música desafina logo nos primeiros acordes.
O Brasil sempre foi protecionista militante, a ponto de comprometer o próprio desenvolvimento nacional. Foi assim, por exemplo, com a lei que tentou favorecer a incipiente indústria de informática brasileira, restringindo a importação. Demos com os burros n’água. Hoje, trabalhamos com computadores importados, sejam de que marca forem, mesmo os fabricados aqui na Zona Franca de Manaus pagam royalties às indústrias sediadas na Ásia ou Estados Unidos. 
			
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Durante décadas fomos obrigados a dirigir carros de segunda linha, porque as montadoras aqui estabelecidas se negavam a produzir modelos iguais aos comercializados nos Estados Unidos e Europa. Hoje, com o aumento da concorrência, a China entrou desestabilizando o mercado para melhor. 
Estudos do Banco Mundial mostram que o Brasil continua sendo um dos países mais protecionistas do mundo. Nunca é demais lembrar que enquanto o presidente Lula fala em liberdade de comércio, seu governo taxa blusinhas em nome de uma indústria com baixa competitividade e emparedada por uma carga monstruosa de impostos.
O governo impõe aos empresários e aos consumidores enorme burocracia, as chamadas barreiras não tarifárias, mas que na verdade são entraves à importação e ao livre comércio, influindo no custo final. Como falar em livre comércio se o Brasil não incentiva suas empresas a se tornarem cada vez mais competitivas, podendo brigar em pé de igualdade com seus concorrentes internacionais? 
São poucas as companhias brasileiras, genuinamente de capital privado, a ir além das nossas fronteiras, obtendo posição relevante no comércio internacional. Uma delas é a JBS, hoje maior produtora de proteína animal do planeta. A outra é a Gerdau, além da Ambev e da BRF. Temos ainda a WEG, fabricante de motores elétricos, a Natura, o Itaú e o Nubank. Entre as que não nasceram do capital privado, estão a Vale e a Embraer. 
Já tivemos a força da engenharia com Odebrecht, Mendes Júnior e Andrade Gutierrez, mas estas foram abatidas pela Lava Jato e agora o Brasil está contratando empresas internacionais de engenharia, como acaba de acontecer com o túnel Santos-Guarujá, a cargo de portugueses e chineses.
Para atingirmos o patamar de “democracia comercial” do discurso do presidente Lula, teremos de trabalhar muito para reformar o Estado brasileiro, voraz e atrasado, loteado por corporações sem compromisso com o futuro, o velho estamento dos “Donos do Poder”, de Raymundo Faoro. 
No ranking do ITB (Internacional Trade Barrier), que mede o grau de proteção comercial dos países, o Brasil está na posição 107 entre 122 nações. A Indonésia é lanterninha, o que me faz crer que a conversa de Lula com Prabowo Subianto não passou de diálogo de surdos entre presidentes de dois dos países mais protecionistas do planeta.
O Brasil cobra impostos demais, punindo quem produz emprego, ficando entre os 10 países com maior custo trabalhista. O empreendedor paga um preço altíssimo todo mês para, por exemplo, manter um funcionário que recebe R$ 5.000, salário considerado alto para os nossos padrões. Com encargos, pagar esse salário sai por R$ 8.097,00. Quase o dobro. O trabalhador, depois dos descontos de praxe, fica com um líquido de R$ 3.860,00, ou 77% do bruto. O resto é consumido pela máquina pública.
O agro brasileiro tem protagonismo imenso no mercado internacional, reconhecido pela qualidade e eficiência. Europeus morrem de medo dos nossos produtores rurais e os norte-americanos estão sentindo na pele as consequências do tarifaço de Trump sobre café, carne e outros produtos que pressionam a inflação, maior adversário deste seu segundo mandato. 
O agro deveria ser tratado pelo governo como questão de Estado, igual tratam o petróleo, não só pelos empregos criados em toda a cadeia (cerca de 30 milhões), mas pela garantia de paz social que representa. Josué de Castro provou que um país sem comida está a um passo da convulsão social, como estivemos há mais de 40 anos quando brasileiros famintos saqueavam supermercados no Sudeste e feiras no Nordeste. 
E há outro detalhe. Não é possível haver “democracia comercial” com insegurança jurídica, como acaba de acontecer com a CIDE. O Brasil cobra desde 2001 o imposto conhecido como CIDE-Tecnologia. A jabuticaba foi criada com a desculpa de favorecer a tecnologia nacional. Mas o tiro saiu pela culatra, porque encareceu o custo da tecnologia de ponta para nossas empresas, como mostrou no Brazil Journal o repórter Giuliano Guandalini. O Supremo decidiu ampliar a incidência desse imposto e o que antes somente incidia sobre serviços e tecnologia, passou a valer para qualquer coisa. 
A partir de agora, se a Globo transmitir o Oscar, terá de pagar 10% adicionais. O mesmo vale para quem usar os serviços de nuvem de uma big tech, contratar advogados e consultores no exterior, comprar conteúdo por veículo de mídia ou fizer manutenção no exterior dos jatos de uma companhia aérea que faz voos internacionais. 
O prejuízo é grande e significa mais isolamento, limitando nossa precária capacidade de competir. Como vamos atuar nesse mundo do discurso do presidente Lula, nesse ambiente multilateral, com comércio livre e economia globalizada? Essa é a pergunta de US$ 1 milhão, porque o Brasil continua sendo aquele país tão criticado por Roberto Campos, que nunca perde a oportunidade de perder uma oportunidade.
			
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