No último dia no Rio, cidade que escolhi para comemorar meu aniversário na maravilhosa companhia de minha Nayla Valença, visitei, ontem, o Palácio do Catete, na zona sul. A visita teve um propósito: há exatamente 68 anos o ex-presidente Getúlio Vargas, um dos políticos mais populares do País, se matou.
Tudo transcorreu na manhã do dia 24 de agosto de 1954. O tiro foi no coração. As razões? A história republicana diz ter sido em resposta aos ataques de seus opositores e da imprensa, especialmente a União Democrática Nacional (UDN) e Carlos Lacerda. Na visita ao Palácio, transformado no Museu da República depois da transferência da capital federal para Brasília em 1960, é possível conhecer o quarto, a arma da tragédia e até o pijama que vestia na ocasião.
Leia maisLogo após a tragédia, por telefone, claramente emocionado, o então ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, leu para a Rádio Nacional a carta-testamento encontrada na mesinha de cabeceira do presidente morto: “Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada temo. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história”.

O relógio indicava que faltavam 15 minutos para as 9 da manhã daquele 24 de agosto de 1954. Nunca o País assistira a tamanha comoção popular como a que veio logo após a divulgação da notícia: Getúlio Vargas se matara, em seu quarto, por volta de 8h30, com um tiro no peito.
Multidões saíram às ruas do Rio. Enfurecidos, manifestantes depredaram a sede da Tribuna da Imprensa, o jornal de Carlos Lacerda, mais furibundo dos adversários de Getúlio. Uma massa humana de 100 mil pessoas, a maioria em pranto incontrolável, desfilou diante do caixão do presidente, velado no antigo Palácio do Catete, no Rio. A imprensa noticiou que cerca de três mil pessoas presentes ao velório, vítimas de desmaios, mal-estares, crises nervosas e problemas de coração, precisaram ser atendidas pelo serviço médico do Palácio.
Na enfermaria, o estoque de calmantes esgotou-se em minutos. O País inteiro ficou em estado de choque. Ninguém esperava por aquele desfecho para a crise que se abatera como uma nuvem negra sobre o Governo, apesar de o próprio Getúlio ter dito, dias antes, com todas as letras: “Só morto sairei do Catete”.
A pergunta que se fez à época, e que até hoje ecoa, 68 anos depois, é uma só: afinal, por qual motivo Getúlio se matou? O que levou o presidente a puxar o gatilho de seu revólver, após apontá-lo contra o próprio coração? Que sentimentos insondáveis povoavam o homem Getúlio Vargas no instante daquele gesto que mudaria a história do Brasil?
Como sempre ocorre, boa parte das possíveis respostas e certezas morreu junto com o próprio suicida. Mas, reconstituindo os fatos daquele aziago mês de agosto — mês de desgosto, no imaginário popular brasileiro —, é possível esclarecer os últimos momentos de Getúlio. Entre as tantas hipóteses, conjecturas e análises divergentes, uma coisa pelo menos é certa: o Governo Vargas começou a morrer 20 dias antes, alvejado por outro tiro, este ironicamente disparado contra seu arqui-inimigo Carlos Lacerda.
Entre os dois tiros, um que atingiu o pé esquerdo de Lacerda, o outro que se alojou no peito de Getúlio, estão as respostas para a pergunta que não quer calar. Dias antes, na madrugada de 5 de agosto, pouco depois da meia-noite, Carlos Lacerda havia sido vítima de um atentado diante do portão do prédio onde morava, na rua Toneleros, em Copacabana.
Dois disparos atingiram seu acompanhante, o major da Aeronáutica Rubens Vaz, que não resistiu aos ferimentos. Foi impossível não ligar o atentado da Toneleros às críticas virulentas disparadas diariamente por Lacerda contra o governo pelas páginas da Tribuna da Imprensa. Com a linguagem destemperada de sempre, Lacerda chegara a chamar o presidente de monstro, o ex-deputado Lutero Vargas de “filho rico e degenerado do Pai dos Pobres e Oswaldo Aranha de mentiroso e ladrão.
Carlos Lacerda escapou, por pouco, do atentado. Naquele mesmo dia exibiu, em seu jornal, as fotos de um ferimento a bala em seu pé esquerdo — ferimento cuja veracidade seria contestada depois — o prontuário do Hospital Miguel Couto, onde fora atendido, sumiria misteriosamente. Mas o estrago, àquela altura, já estava feito.
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