Rubem Alves, meu cronista preferido, que Deus chamou em 2014, aos 80 anos, escreveu muito sobre a temática “ano novo”. Dizia que a vida humana não se mede nem por batidas cardíacas nem por ondas cerebrais. “Somos humanos, permanecemos humanos enquanto estiver acesa em nós a esperança da alegria. O Ano Novo é um momento para reacender essa chama”, pontuou em um dos textos.
Em suas reflexões, ele sugeria que a capacidade de ver a beleza e a alegria nas celebrações depende do estado de espírito: “As pessoas que não têm o paraíso dentro delas não conseguem ver o paraíso fora delas”, advertia. Rubem Alves deixou um legado na cultura, na filosofia e na educação. Foi uma das maiores referências na educação brasileira, autor de mais de 160 livros.
Leia maisUm grande poeta, cronista e filósofo, deixando um grande legado também sobre simplicidade e alegria de viver, como ele mesmo expressou em sua mensagem de despedida. Sobre a paixão pela educação, escreveu: “Educar não é ensinar matemática, física, química, geografia, português. Essas coisas podem ser aprendidas nos livros e nos computadores. Dispensam a presença do educador”.
E completou: “Educar é outra coisa. A primeira tarefa da educação é ensinar a ver. Quem vê bem nunca fica entediado com a vida. O educador aponta e sorri – e contempla os olhos do discípulo. Quando seus olhos sorriem, ele se sente feliz. Estão vendo a mesma coisa. Quando digo que minha paixão é a educação estou dizendo que desejo ter a alegria de ver os olhos dos meus discípulos, especialmente os olhos das crianças”.
Que falta ele faz! Se ainda estivesse entre nós, educando e nos fazendo mais sábios, certamente iria concordar comigo nesta última crônica de fim de ano. Trato da perversidade das redes sociais, que estão deseducando. Tudo porque grande parte do conteúdo é projetado para ser consumido rapidamente e não estimula o pensamento crítico ou a análise aprofundada de tópicos complexos.
Tenho observado, no meu papel não apenas de jornalista, mas de cidadão e pai, que o uso excessivo de redes sociais tem sido associado a problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e baixa autoestima, o que pode impactar negativamente a capacidade de aprendizado e o desempenho escolar. Levanto essa polêmica em cima de dados reais e não de meros achismos ou narrativas.
Li uma pesquisa — Liberdade ou aprisionamento: um estudo sobre como o uso das redes sociais afeta o desempenho escolar dos alunos. Foi feita a partir de 52 projetos de extensão que fazem parte da I Mostra de Extensão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense, no Rio de Janeiro.
Para 62% dos alunos entrevistados, o tempo conectado às redes sociais atrapalha no rendimento escolar. “Muitos ficam com fone de ouvido assistindo às aulas, ouvindo música. E assim aquela informação não se retém a longo prazo. Quando você pega as perguntas voltadas para a parte do ensino, como com qual finalidade usa as redes sociais, 41% dizem que é para lazer ou entretenimento. Apenas 11% declararam usar para estudo”, diz um dos resumos do estudo.
As mídias sociais deveriam ter potencial de aliadas valiosas na aprendizagem dos jovens, mas são mal utilizadas, sem responsabilidade e intencionalidade educativa. Se bem usadas, o que, infelizmente, não está ocorrendo, poderiam estar conectando os estudantes ao conhecimento de maneira dinâmica e autêntica, preparando-os para um mundo digital em constante evolução.
A espetacularização da vida cotidiana nas redes exige uma reflexão sobre a forma como temos educado as crianças para o uso dessa ambiência comunicacional. Será que os ditos nativos digitais (que já nasceram no império das novas tecnologias) estão de fato preparados emocionalmente para o uso dos meios de comunicação?
Conseguem ter o devido cuidado e respeito aos limites entre o que deve ser público e privado? Será que, como adultos cuidadores, temos nos comportado de forma ética nas redes e dado exemplos de autocuidado?
A dependência que as pessoas, principalmente crianças e jovens, têm demonstrado em relação aos aparatos tecnológicos é de causar preocupação. Basta observar passageiros embarcando ou chegando a um voo que pode durar menos de 50 minutos. Todos com seus smartphones a postos, trocando as últimas informações urgentíssimas antes de ficar offline por apenas 40 minutos, já que a conexão é proibida durante a viagem.
Se antes fumantes “viciados” davam a última tragada em seus cigarros logo antes de entrar no avião e assim que chegavam, hoje quem ocupa esse lugar de dependência oral é, sem dúvida, o aparelho celular. Ouvi também inúmeros relatos de mães desesperadas porque os filhos dizem não saber viver sequer por algumas horas sem se relacionar com a tecnologia – não se sentiriam pertencentes, ou mesmo vivos offline.
Preocupa a forma como temos narrado incessantemente nossas vidas nas redes sociais – compartilhando o que comemos, o filme a que assistimos, nossos sentimentos pelo aniversariante do dia – e, principalmente, como temos exposto crianças com fotos de cada passo delas e a reprodução de diálogos privados que compartilhamos com elas.
Será que as crianças, se pudessem opinar, gostariam do que temos feito com suas imagens e com idiossincrasias privadas? Estariam de acordo com a exposição de seus segredos?
Acredito que não. Fica a reflexão!
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