Por Marcelo Tognozzi
Colunista do Poder360
Há algo que precisamos levar em conta quando o presidente Donald Trump decide aplicar a Lei Magnitsky contra ministros da Suprema Corte ou funcionários do governo. O efeito é o reforço aos países que buscam uma nova ordem internacional, não importa se boa ou ruim, como alternativa àquela na qual os EUA são os protagonistas junto com a União Europeia e o Japão.
As imagens de Celso Amorim, assessor internacional de Lula, em meio aos mandatários que assistiram ao desfile em Pequim em comemoração aos 80 anos da derrota do Japão na 2ª Guerra Mundial são o melhor exemplo.

Amorim confraternizando com Vladimir Putin, da Rússia, Kim Jong-un, ditador da Coreia do Norte, e Masoud Pezeshkian, presidente do Irã, em evento no qual as armas nucleares foram as estrelas, é o retrato das cores e alta definição desta nova era. Trump, com sua diplomacia de porrete, vai empurrando aliados históricos dos EUA para a esfera de influência da China e da Rússia.
Usa a Magnitsky para fazer barulho, mas no fundo seu efeito não é tão grande assim. Em 1º de dezembro de 2022, o repórter David Batty, do jornal inglês Guardian, publicou reportagem mostrando como as sanções da Magnitsky tinham mais furos que um queijo suíço.
Ele acessou estudo produzido pelas universidades de Cambridge e do Texas com 5.000 bancos e 7.000 intermediários financeiros de 273 países e jurisdições financeiras de 2020 a 2021. Eles enviaram e-mails para essas instituições a fim de testar a conformidade com as regras destinadas ao combate a lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo, evasão fiscal e aplicação da Lei Magnitsky, a qual permitiu sanções impostas a centenas de pessoas.
Os resultados são surpreendentes: 1 em cada 30 bancos não cumpriu as regras e, descontando os que não responderam aos e-mails, a proporção sobe para 1 em cada 10. De cada 20 intermediários financeiros, 1 não cumpriu. Descontando os que não responderam aos e-mails, a proporção cresce para 1 a cada 6.
O estudo revela a disposição de muitos bancos e financeiras em ajudar clientes a driblar as duras regras da Magnitsky. Alguns agentes financeiros até se propuseram a criar empresas de fachada para facilitar a vida dos futuros clientes. Mesmo depois do início da guerra na Ucrânia, as coisas mudaram pouco. De acordo com o estudo, as instituições financeiras falharam em discriminar clientes de alto e baixo risco.
Jason Sharman, da Universidade de Cambridge, concluiu que a eficácia das sanções é produto da guerra, não da lei. Até a guerra começar, as pessoas de alto risco não eram incomodadas. É óbvio que os punidos vão adquirindo anticorpos, e quanto mais essa lei for aplicada, mais gente irá aprender como escapar. A montanha, mostra o estudo, pariu um rato.
Se olharmos para os países sancionados, percebemos que nada mudou, seja Rússia, Nicarágua, Venezuela ou qualquer outro. Os mesmos atores políticos seguem mandando, sem retorno à normalidade democrática. A oposição vai sendo moída e o melhor exemplo é o da Venezuela, com Edmundo Gonzales, diplomata veterano e candidato permitido, vencedor do pleito, mas impedido de assumir por Maduro, por cuja cabeça Trump promete uma recompensa de US$ 50 milhões.
No Brasil, o ministro Alexandre de Moraes permanece focado no julgamento de Bolsonaro e o STF (Supremo Tribunal Federal) idem. Até agora, o único resultado prático das sanções de Trump foi dar a Lula de presente um discurso nacionalista e um inimigo externo. Vamos sendo segregados enquanto a Argentina negocia o fim do visto para os EUA. Mas essa situação dos hermanos pode durar pouco, até a próxima eleição, se Milei derrapar.
Nada indica que no curto prazo esse cenário será alterado e tudo indica que estamos prestes a ser apresentados a um novo sistema financeiro internacional controlado pelos países onde a Magnitsky não é aceita.
A China já testou com sucesso seu canal financeiro com os Emirados Árabes, quase tão veloz quanto nosso Pix. Mais um pouco e teremos, além dos carros e do e-commerce, cartões de crédito e bancos chineses. E não será só no Brasil, mas em Peru, Chile, Uruguai e outros países onde os chineses se estabeleceram com sua força econômica.
Tudo caminha para a manutenção do nosso atual status quo, com a polarização acesa e tratada como ativo político, tanto pelo governo quanto pela oposição. Com as sanções, ficou difícil qualquer iniciativa de negociação com o STF, porque o tribunal agora terá de dar alguma coisa. Como não pretende ceder, segue negando qualquer iniciativa que possa pacificar o país.
O governador Tarcísio de Freitas deu um passo na direção da anistia. Tenta negociar com o Congresso e resgatar a conciliação tão ausente do nosso dia a dia há pelo menos uma década. Dificilmente ele conseguirá chegar a um bom termo, porque não tem apoio do Executivo e do Judiciário. Como mostrou a votação do IOF, com o governo perdendo por esmagadora maioria na Câmara e no Senado, o STF dará a palavra final.
Da mesma forma que a decisão do Congresso sobre o IOF foi para o lixo, o destino será o mesmo para uma lei de anistia ampla, geral e irrestrita. Um indulto para Bolsonaro terá o mesmo caminho, como já se passou com o presidente Michel Temer em 2018.
Nós não caminhamos para um impasse institucional; já estamos dentro dele. E, dada a ausência de estadistas e líderes conciliadores, vamos ficar neste charco mais tempo do que gostaríamos.
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