Por Inácio Feitosa*
Os prefeitos do Nordeste encerram 2025 sem fogos, sem brindes e sem ilusões. O calendário muda, mas a estrutura permanece. Por isso, para grande parte dos municípios nordestinos, o que se anuncia para 2026 não é um ano novo – é a continuidade agravada de um ano velho, marcado por escassez de recursos, aumento de obrigações e redução real da autonomia financeira.
Os dados são públicos e reiterados. Mais da metade dos municípios brasileiros fechou o último exercício fiscal no vermelho, conforme levantamentos técnicos da CNM (Confederação Nacional de Municípios). No Nordeste, onde a dependência do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) é estruturalmente maior e a arrecadação própria é limitada, o impacto é ainda mais severo. A equação é conhecida, repetida e injusta: muitas responsabilidades, poucos instrumentos fiscais e repasses insuficientes.
Leia maisNão há qualquer indicativo sério de que 2026 será mais fácil do que 2025. Ao contrário. Há razões objetivas para afirmar que será mais difícil.
O primeiro fator é a rigidez orçamentária. Grande parte das receitas municipais é constitucional ou legalmente vinculada, especialmente à saúde, à educação e à folha de pessoal. A margem de decisão política do gestor local é mínima. Quando o custeio cresce e a receita não acompanha, o prefeito não escolhe onde cortar – ele apenas administra a escassez, tentando não violar a lei e não paralisar o serviço público.
O segundo fator é a pressão contínua sobre a despesa com pessoal, com destaque para a educação. O piso nacional do magistério, previsto em lei federal, segue produzindo impactos significativos sobre folhas já comprometidas, sobretudo nos municípios menores. Valorizar o professor é imperativo civilizatório. O problema é outro: o modelo atual impõe crescimento obrigatório de despesa sem garantir fonte estrutural de financiamento, transferindo o desequilíbrio para a ponta mais frágil da Federação.
A esse cenário soma-se um desafio incontornável da educação inclusiva. Municípios estão sendo obrigados – corretamente – a substituir cuidadores informais ou sem formação adequada que atuam com alunos com TEA (Transtorno do Espectro Autista) e TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade). As normas educacionais, administrativas e as orientações dos órgãos de controle caminham para exigir profissionais concursados, com escolaridade mínima de nível médio e formação específica. Isso significa concurso público, curso de formação, estrutura administrativa e despesa continuada. É uma agenda justa, necessária e inadiável — mas que chega no pior momento fiscal possível.
Outro ponto sensível de 2026 será a criação, ampliação ou reestruturação das Guardas Civis Municipais (GCMs) e o debate nacional sobre o fortalecimento das chamadas polícias municipais. Não se trata apenas de segurança pública, mas de institucionalidade. Estruturar uma GCM envolve concurso, formação, equipamentos, corregedoria, ouvidoria, previdência e custeio permanente. Para muitos municípios nordestinos, é mais uma responsabilidade legítima que chega sem o devido suporte financeiro.
Tudo isso ocorrerá em um ano de eleições municipais. A experiência mostra que anos eleitorais reduzem a capacidade de planejamento de médio e longo prazo, ampliam a fiscalização dos órgãos de controle e aumentam a tensão entre legalidade, necessidade social e expectativa política. O prefeito governa com o freio de mão puxado.
Como pano de fundo, 2026 também marcará o início operacional da transição da Reforma Tributária, com testes, ajustes institucionais e convivência entre sistemas. É importante ser honesto: não haverá ganho imediato de arrecadação municipal nesse período. Ao contrário, a transição exigirá adaptação técnica, administrativa e tecnológica, além de conviver com incertezas sobre compensações e repartições, especialmente no curto prazo. A promessa de simplificação existe; o alívio fiscal, não.
No meio disso tudo, o país ainda viverá o clima da Copa do Mundo de Futebol. No futebol, como sempre, somos autorizados a sonhar. Basta mencionar o nome de Carlo Ancelotti para reacender esperanças, táticas geniais e dias melhores nos gramados. Já na economia, infelizmente, não haverá treinador capaz de mudar o jogo em poucos meses. O orçamento não aceita prancheta, e a realidade fiscal não se resolve no segundo tempo.
Ainda assim, é preciso dizer: os prefeitos do Nordeste merecem respeito. É preciso reconhecer a coragem institucional de quem aceita governar municípios com baixa arrecadação própria, alta dependência de transferências, demandas sociais crescentes e um arcabouço legal cada vez mais exigente. Governar nessas condições não é populismo nem aventura — é resistência administrativa.
Os municípios do Nordeste não estão quebrados por irresponsabilidade generalizada. Estão estrangulados por um pacto federativo desequilibrado, que concentra receitas na União, descentraliza políticas públicas complexas e transfere a execução — e o desgaste político — para quem está mais perto do cidadão. Executam saúde, educação, inclusão, assistência e segurança com instrumentos fiscais insuficientes e autonomia limitada.
Por isso, o ano que se aproxima não pede discursos festivos. Pede lucidez, técnica, solidariedade federativa e coragem política. Pede, sobretudo, que se olhe para o município não como problema, mas como solução.
Para muitos prefeitos nordestinos, 2026 será mais um exercício de sobrevivência institucional, compromisso público e defesa silenciosa do interesse coletivo.
Feliz Ano Velho.
*Advogado, fundador do Instituto IGEDUC e escritor
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