Um dos artigos do Conselho de Ética do Senado prevê a perda temporária do mandato parlamentar em caso de divulgação de “conteúdo de debates ou deliberações que o Senado ou Comissão haja resolvido devam ficar secretos”.
No encontro realizado no final da noite de terça-feira na casa do ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (sem partido) em Brasília, os senadores expuseram a Moraes uma situação que poderia desmoralizá-lo no momento em que ele enfrenta críticas pela prisão domiciliar de Jair Bolsonaro e a oposição vem recolhendo assinaturas para um pedido de impeachment do ministro.
De acordo com o aviso do grupo a Moraes, as cautelares dele sobre Do Val teriam necessariamente que passar por uma análise do plenário, segundo o próprio Supremo determinou em outro caso semelhante ocorrido em 2017 – quando o próprio Senado derrubou o afastamento e a prisão domiciliar do então senador Aécio Neves (PSDB-MG), investigado por corrupção passiva e obstrução de Justiça no caso da delação de Joesley Batista, da JBS.
De acordo com eles, Moraes fatalmente seria derrotado, dado o clima de revolta no Congresso. Desde segunda, parlamentares bolsonaristas ocuparam os plenários das duas Casas como parte da obstrução das atividades legislativas, em protesto contra a prisão de Bolsonaro. Senadores também já reuniram 39 das 41 assinaturas necessárias para apresentação do pedido de impeachment contra o ministro. Para derrubar as cautelares também seriam necessárias 41 assinaturas.
Na reunião de ontem, senadores estimaram que o placar contra ele ficaria próximo das 50 assinaturas, o que poderia acirrar a crise institucional provocada pela prisão do ex-presidente.
Para evitar uma desmoralização de Moraes perante o Congresso, Alcolumbre e o grupo de senadores pediriam uma revisão da decisão, que seria aceita por Moraes. Num segundo momento, porém, a mesa do Senado suspenderia o mandato de Do Val.
Após ouvir a exposição dos senadores, Moraes, Barroso e Fachin deram aval à iniciativa.
Participaram da conversa, além de Alcolumbre, Rodrigo Maia e dos ministros do STF, os senadores Eduardo Braga (MDB-AM), Omar Aziz (PSD-AM), Renan Calheiros (MDB-AL), Cid Gomes (PSB-CE) e Weverton Rocha (PDT-MA).
De acordo com o que um dos participantes da reunião relatou à equipe da coluna, a avaliação desse grupo é que Do Val já deveria ter sido cassado, considerando seus antecedentes.
Além de divulgar documentos secretos do Senado, parlamentares lembram que o senador capixaba não escondia que andava armado e admitiu publicamente a intenção de grampear Alexandre de Moraes para anular as eleições de 2022 em uma trama que, segundo ele, envolveu também o então deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) e Jair Bolsonaro após sua derrota eleitoral para Lula.
Efeito Orloff
A questão é que, apesar do perfil histriônico, instável e controverso de Do Val, para os parlamentares o que conta não é propriamente quem foi alvo das sanções, mas o fato de que a imposição de Moraes cria um precedente considerado perigoso, por representar uma interferência injustificável do Judiciário sobre o Legislativo.
“Os senadores olham para o Do Val e pensam que amanhã podem ser eles. É aquela coisa do “eu sou você amanhã”, resumiu um interlocutor do grupo.
Do Val foi alvo de uma operação da PF logo após retornar de uma viagem aos Estados Unidos que, nas palavras de Moraes, “afrontou” uma decisão do próprio Supremo que determinou a apreensão dos passaportes do político capixaba em agosto de 2024.
Do aeroporto de Brasília, onde desembarcou, ele foi foi encaminhado pela PF diretamente para a Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal para a instalação da tornozeleira por ordem do ministro.
A adoção da medida cautelar no caso de um senador no exercício do mandato agravou a revolta dos senadores, entre outras questões pelo fato de que ele não foi ainda nem denunciado formalmente em um inquérito que apura a ação de Do Val contra delegados da PF que atuam no inquérito da trama golpista e no caso da chamada Abin paralela.
“O clima está realmente péssimo e é preciso dar uma desanuviada. Tem que escolher [os alvos]. Ninguém ataca a Rússia e os Estados Unidos no mesmo dia”, comparou uma fonte próxima de ministros do STF que estão preocupados com o rumo da rebelião.
Desde a segunda-feira, o episódio da derrubada da cautelar que determinou o afastamento e a prisão domiciliar do então senador Aécio Neves em 2017 vinha sendo lembrado como saída para a situação de Do Val.
Horas antes do pai ser submetido à prisão domiciliar por ordem de Moraes, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) cobrou publicamente o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, a se posicionar “acerca dos reiterados abusos de autoridade cometidos pelo ministro”, em referência à tornozeleira de Do Val. Nos bastidores, acredita-se que Alcolumbre será pressionado a derrubar as restrições contra o parlamentar capixaba.
As medidas cautelares contra o senador do Podemos ordenadas por Moraes, bem como as demais impostas pelo STF no ano passado, foram tomadas dentro de um inquérito que apura se Do Val intimidou delegados da PF que atuam no inquérito da trama golpista e no caso da chamada Abin paralela.
Além da tornozeleira eletrônica, ele deve se submeter ao recolhimento noturno de 19h às 6h, com exceção dos dias em que as sessões do Senado avançarem para além desse horário, e durante todo o dia aos finais de semana, feriados e dias de folga.
Os bens, investimentos e até verbas de seu gabinete no Senado foram congelados por ordem do Supremo. Já as contas bancárias de Do Val foram bloqueadas quando ele ainda estava nos EUA, alegadamente em viagem de turismo com a família.
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