Por Tales Faria
Do Correio da Manhã
Quando deputado federal, Miro Teixeira costumava contar uma história bastante interessante. Envolvia seu amigo e então diretor de Redação do jornal o Globo, Evandro Carlos de Andrade, e o então senador pela Bahia Antônio Carlos Magalhães.
ACM era considerado um dos políticos mais fortes do país, à frente do PFL (ex-Arena e atual centrão), capaz de ameaçar e fazer tremer presidentes da República.
Leia maisMas também usava de sua força para alguns blefes, como aquele em que anunciou possuir um dossiê com “provas de corrupção” envolvendo o ministro do governo Itamar Franco, Jutahy Junior, do Bem-Estar Social, seu adversário na Bahia.
Itamar convocou ACM para apresentar pessoalmente o dossiê. O senador adentrou ao Palácio do Planalto cercado de repórteres com as supostas provas debaixo do braço.
Itamar sabia que, após um encontro reservado, o senador sairia contando vantagens sobre “as provas” que teria entregado. Mandou então os repórteres participarem da audiência. Ao abrir-se a papelada, o que toda a imprensa viu era apenas um monte de recortes de jornais. O dossiê virou pó. Era blefe.
Parte da força política de ACM, na verdade, vinha de sua amizade pessoal com Roberto Marinho, o dono do grupo Globo de Comunicação. Amizade esta fortalecida quando o baiano assumiu como ministro das Comunicações do governo de José Sarney.
ACM foi indicado ministro por Roberto Marinho a Tancredo Neves. Conta-se que Ulysses Guimarães chegou a protestar contra a escolha do político baiano, ao que Tancredo respondeu: “Meu amigo, eu posso até brigar com o papa, mas não vou arrumar confusão agora com o Roberto Marinho.”
E qual a história que Miro Teixeira contava?
Segundo o então deputado, por conta de uma informação que o Globo publicou e que desagradava a ACM, o poderoso político enviou a Evandro Carlos de Andrade um fax (naquele tempo não havia Whatsapp. O fax era uma reprodução fac-símele de uma mensagem transmitida por linha telefônica).
Evandro Carlos de Andrade é citado no livro biográfico “Roberto Marinho — o poder está no ar”, escrito por Leonêncio Nossa, como o homem que operou a grande renovação de O Globo, onde chegou em 1971.
Evandro pegou o jornal em decadência e ajudou a torná-lo líder de vendas durante sua gestão. Foi o único não Marinho a encabeçar a primeira página do Globo por quase 25 anos.
A mensagem via fax chegou a Evandro no melhor estilo ACM: agressiva, deselegante, meio que se baseando nos seus fortes laços com o dono do Globo e patrão do chefe da Redação.
Segundo Miro Teixeira, Evandro pegou o tal fax e determinou que ele fosse imediatamente devolvido ao mesmo número de telefone que o enviou. Mas, com um recado que rabiscou à mão, dizendo algo mais ou menos assim: “Deve ter havido algum engano na escolha do destinatário. Ponto.”
Pois é. Foi algo semelhante que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez com a carta que o presidente dos Estado Unidos, Donald Trump, vazou como tendo sido enviada ao mandatário brasileiro no último dia 9.
Não veio por fax. Então, por ordem de Lula, a embaixadora responsável no Itamaraty pela América do Norte e Europa, Maria Luisa Escorel, convocou o encarregado de negócios dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar, a confirmar a tal carta, já que o governo do Brasil só soube da sua existência pela imprensa.
Escobar confirmou. Então a diplomata respondeu que, como o Brasil não havia recebido de fato o documento, desde já o devolvia, mesmo que simbolicamente, por não reconhecer legitimidade nos argumentos de Trump.
Sem legitimidade em relação à ingerência nos assuntos internos do país, e sem legitimidade quanto à afirmação de que há déficit comercial dos EUA com o Brasil.
Lula, no final das contas, imitou Evandro Carlos de Andrade: devolveu o fax. Não se sabe se ele já sabia da história do diretor de Redação do Globo com ACM.
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