Por Aldo Paes Barreto
O pernambucano de Nazaré da Mata Marcos Vinícios Rodrigues Vilaça foi o mais destacado, o mais abnegado, criativo e bem-sucedido divulgador da nossa cultura no século passado. Jovem, com um pé na política, líder estudantil, desencantado com os rumos do golpe de 1964, tinha todas as qualidades que a burguesia sonhava para o futuro genro. Marcos Vinícios não bebia, não fumava, não prevaricava. Casou com a primeira namorada, companheira de toda a vida, a doce e altiva Maria do Carmo.
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da UFPE, logo professor de Direito Internacional, seria convidado para ocupar a Secretaria do Governo Eraldo Gueiros (1971/1975), então, apenas apêndice da burocracia oficial. Marcos Vilaça arregaçou as mangas. Trabalhador braçal da cultura, escritor, íntimo da boa leitura, foi dele a ideia de transformar a Casa de Detenção, no centro do Recife, em Casa da Cultura. Foi ele quem recuperou, restaurou e deu dignidade à Academia Pernambucana de Letras. Na época, o vasto terreno da Academia estava sendo usado por uma clínica psiquiátrica vizinha para criar vacas. Coisa de doido.
Leia maisApoiado pelo governador Eraldo Gueiros, Vilaça entregou a administração do Conservatório de Música ao maestro Cussy de Almeida, e ali nasceu o Movimento Armorial, reunindo os vários gêneros que formam a múltipla identidade musical de Pernambuco. Pelas mãos de Cussy, Ariano Suassuna. Capiba, Rafael Garcia, Jarbas Maciel, Clóvis Pereira, Guerra-Peixe, Antônio Carlos Nóbrega, a arte popular renascia e a literatura de cordel ganhava roupagem musical. O maracatu, os caboclinhos, coco de roda, ciranda, samba, afoxé e o eterno frevo estavam de roupa nova.
Nos mais diversos palcos do Brasil, a música armorial desfilou a beleza sonora, quando a mediocridade premiada ainda não determinava a música brasileira. Bons tempos. Marcos Vilaça foi responsável direto, agregador pluralista, pelo sucesso breve do movimento que encantou as mais variadas plateias. Pernambuco musicando para o mundo.
Quando deixou o governo do Estado, Vilaça fez as malas e levou sua bagagem e suas ideias para o centro do poder: Brasília. Não lhe faltaram convites. Exerceu os mais variados cargos em entidades públicas, sempre preservando espaço para cultura. Reconhecido pela Academia Brasileira de Letras, ocupou a vaga do amigo Mauro Mota. Ao assumir, Vilaça liderou a renovação da congregação e é lembrado por ter colocado o ideal ateniense acima dos movimentos políticos à direita e à esquerda. Enriqueceu a Academia e antigos críticos do conclave envergaram o pelerine azul da casa. Jorge Amado foi um deles.
O pernambucano ganhou mundo. Em seus arquivos, estão guardadas as mais representativas comendas, fulgurantes homenagens, medalhas, insígnias, reconhecimentos de todos os nove países onde se fala e se lê o Português.
Em todos esses países das comunidades lusófonas, da Europa e da África, além da totalidade dos estados brasileiros, em algum lugar permanece lá a pernambucanidade, a marca da nossa gente, a diversificada música, o artesanato, os autores, as tradições e boa parte de nossa rica história, levada pelo trabalhador cultural pernambucano.
No início deste século, a trajetória ascendente e vitoriosa dos Vilaça sofreu brusca e trágica parada. Era o primeiro dia do ano. O filho mais velho, Marco Antônio, destacado marchand radicado em São Paulo, veio passar o réveillon com a família. Morreu de mal súbito naquele dia. Meses depois, também de maneira trágica, perderia a neta, filha do caçula Rodrigo.
Aquele foi o ano que nunca terminou. Marcos e Maria do Carmo, também falecida, jamais foram os mesmos. Razão para viver, já não existia.
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