Na esfera à esquerda do mundo das redes sociais, Bolsonaro já está condenado e preso. Do outro lado, está provada a perseguição promovida por Alexandre de Moraes, o inquisidor-mor da República.
No primeiro caso, ao menos a torcida acompanha o andar da carruagem dos fatos. É dado como certo nos meios jurídico e político que a denúncia será aceita e que o caso contra Bolsonaro o levará a uma condenação e provável detenção.
Há pontos que serão questionados, que vão da concentração do caso em turma à materialidade de sua participação da trama, o que é do jogo da defesa.
Com o Supremo de olho nesses movimentos, ignorando pressão do ex-presidente e antecipando eventuais tentativas de drible, parece mais correto apostar que Bolsonaro vira o ano condenado —prisão pode demorar um pouco mais.
Já no arco narrativo do bolsonarismo, resta ao ex-presidente fingir que não vive suas exéquias políticas na prática. Por evidente, ele segue dividindo com Lula (PT) o palco central da polarização, não é dessa popularidade que se trata aqui.
A questão toda é sua toxicidade aumentada pelo inquérito do golpe e a capacidade ora reduzida de comover mesmo sua base, que fora da franja mais fanatizada não parece muito animada a ir às ruas em massa para defendê-lo.
O protesto ocorrido no Rio há duas semanas provou isso, com baixa adesão e uma frouxidão discursiva notável por parte de Bolsonaro. Com efeito, chamou mais a atenção no meio político o que o seu herdeiro presumido, Tarcísio de Freitas, tinha a dizer ao promover o malabarismo de apoiar o ex-chefe e se mostrar pronto para tomar sua vaga.
O governador paulista voltou à baila na segunda (24), mas estava ao lado de Bolsonaro em um programa de podcast, onde teve de explicar por que não falou mal do sistema eleitoral. A resposta estava presente, com o ex-presidente dizendo que só “passa o bastão morto”. Mas há outras mortes além da física.
O murmúrio do velório já está na praça com a movimentação aberta de nomes interessados em disputar o governo paulista no caso de Tarcísio tentar a Presidência, algo que ele é obrigado a negar hoje porque não pode passar por traidor da causa bolsonarista. Mas mesmo o ex-presidente concedeu, no programa, que talvez não esteja no páreo em 2026.
Bolsonaro, claro, ainda vende a ideia de que conseguirá uma anistia cada vez mais improvável, que, se vingar, não passa pela Justiça. Está inelegível até 2030 e, ainda que a história brasileira esteja coalhada de reviravoltas e perdões, como a ida de Lula da cadeia para a Presidência, sua situação jurídica é bem pior.
Sobrou a um encolhido Bolsonaro envergar um terno do tempo de presidente, adornado com o “pin” da Medalha do Pacificador, e tentar emular pela enésima vez o seu ídolo, Donald Trump, embora a presença desafiadora do republicano na corte em que foi condenado criminalmente no ano passado fosse uma obrigação legal.
Tanto fez para o americano: Trump transformou sua carranca naquele dia em foto oficial do segundo mandato. Já no caso brasileiro, Bolsonaro estende a gastura de seus agoniados aliados, que não sabem se ele largará o figurino a tempo de viabilizar uma candidatura do campo.
Bolsonaro pode até sonhar com isso e dramatizar cada passo daqui até o inexorável, mas a realidade por ora lhe oferece apenas a discutível distinção de ser o primeiro ex-presidente a virar réu por tentativa de golpe no Brasil, o que deve ser sacramentado nesta quarta (26).
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