Por Julia Rocha e Maysa Sena
Do Blog da Folha
A discriminação racial é uma questão estrutural que permeia diversas áreas, como trabalho, moradia e representação em espaços de poder. Em um país como o Brasil, – marcado por desigualdades profundas, onde a maioria da população é negra e também a mais vulnerável socioeconomicamente -, essa temática se entrelaça com outras problemáticas sociais.
Não basta a celebração de uma data como hoje, o Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial, nem a simples criação de projetos de lei para resolver essa questão. É necessário um conjunto robusto de políticas públicas que priorizem a população negra e busquem reduzir o abismo social existente.
Leia maisNesse sentido, Pernambuco tem avançado em políticas públicas voltadas para a igualdade racial. A Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) e a Câmara do Recife têm implementado projetos de lei e programas com o apoio das Comissões de Igualdade Racial e Enfrentamento ao Racismo, na Câmara do Recife, e de Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular, na Alepe. Essas iniciativas, consequentemente, têm impulsionado ações do Governo do Estado e da Prefeitura no enfrentamento ao racismo e na promoção da igualdade.
Alepe
A Comissão de Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular é um órgão permanente do Legislativo estadual, responsável por atuar na defesa dos direitos humanos e da cidadania, conforme previsto no regimento interno da Alepe. Sem orçamento próprio, ela integra as 18 comissões permanentes da Casa e tem atribuições que envolvem a análise de proposições legislativas, fiscalização e promoção do debate público.
A Comissão emite pareceres sobre propostas legislativas, pode sugerir alterações, fiscaliza gastos públicos, solicita auditorias, promove audiências e estudos, além de requisitar informações, receber reclamações e convocar autoridades para esclarecimentos.
Apesar de seu papel essencial no processo Legislativo, a Comissão não aprova leis diretamente. Seu parecer sobre projetos é analisado em plenário, onde as proposições são votadas em dois turnos antes de seguirem para sanção ou possível veto.
“Atualmente temos aproximadamente dois mil projetos distribuídos para esta Comissão. Alguns desses projetos que passaram por aqui, já viraram Leis após aprovação no plenário. Em relação à temática do enfrentamento ao Racismo, podemos mencionar a Lei nº 18.227, de 3 de julho 2023, que passou pela comissão, quando ainda era PL, e que estabelece regras para a capacitação de profissionais da educação e demais funcionários dos estabelecimentos para a promoção da igualdade racial e o enfrentamento ao racismo”, explicou a presidente da comissão, a deputada Dani Portela (PSOL).

Ainda segundo a parlamentar, sobre os projetos em tramitação, “podemos mencionar o PL 464/2023, que promove a criação de cotas para a população negra nos concursos públicos estaduais, uma luta histórica do movimento negro e que precisa virar Lei aqui no Estado”, disse.
Desde o ano passado, a Alepe tem reforçado o combate à discriminação em espaços esportivos. A Lei nº 18.576/2024, em vigor desde agosto, pune com mais rigor atos discriminatórios contra negros, mulheres e a população LGBTQIA+. A norma prevê multas de até R$ 200 mil e pode impedir os infratores de frequentarem arenas e ginásios do Estado por até 30 anos.
“A Casa tem promovido esforços importantes para o enfrentamento ao racismo, neste sentido podemos citar iniciativas como a ALEPE Antirracista, que é um evento de formação constante promovido pela Alepe e que tem início, a cada ano, no Novembro Negro. Também podemos mencionar a medalha Antirracista Marta Almeida, uma iniciativa da Mesa Diretora da Casa, proposta como fruto de uma articulação com mandatos parlamentares e a superintendência da Assembleia”, completou Dani Portela.
Câmara do Recife
A Comissão de Igualdade Racial e Enfrentamento ao Racismo foi estabelecida em caráter permanente na Câmara do Recife em maio de 2021. Desde sua criação, debateu, elaborou pareceres e aprovou diversos projetos. Entre eles, ações voltadas à política de atenção integral à população em situação de rua, à proibição de homenagens a escravistas, à reserva de vagas em concurso para pessoas negras, indígenas e com deficiência, também realizou seminário na temática da igualdade racial.
Atualmente, três projetos de lei estão em tramitação na Câmara do Recife para fortalecer o combate ao racismo e à discriminação na cidade. O Projeto de Lei Ordinária nº 26/2024, de autoria do vereador Luiz Eustáquio (PSB), propõe que empresas localizadas no município sejam obrigadas a oferecer orientação sobre discriminação e preconceito em seus processos seletivos.
Já o Projeto de Lei Ordinária nº 243/2023, apresentado pelo vereador Chico Kiko (PSB), visa impedir que pessoas condenadas por crimes de racismo, injúria racial ou outros tipos de discriminação, assumam cargos efetivos ou comissionados na administração pública direta e indireta do Recife.
Além disso, o ex-vereador Ebinho Florêncio (Rede) propôs o Projeto de Lei Ordinária nº 165/2024, que estabelece um Protocolo de Combate à Discriminação nos estádios e arenas esportivas da cidade, reforçando medidas contra práticas racistas no ambiente esportivo.
No âmbito das leis já sancionadas, o Recife conta com a Lei Municipal nº 18.994/2022, originada do Projeto de Lei Ordinária nº 324/2021, de autoria da vereadora Natália de Menudo (PSB). Essa legislação tornou obrigatória a divulgação de alertas sobre injúria racial em eventos esportivos, medida que busca conscientizar a população e reforçar a punição contra práticas discriminatórias.
Recém-empossada na presidência da Comissão, Jô Cavalcanti (PSOL) tem como uma das prioridades debater e propor medidas que ajudem a minimizar o racismo ambiental – como políticas de enfrentamento às enchentes e aos desabamentos de encostas; além de ações de promoção de segurança cidadã, acesso à moradia e à renda básica.
“Todo e qualquer projeto que dialogue com questões que afetam principalmente a população mais vulnerável é também um projeto que contribui com o caminho da Igualdade Racial”, pontuou.

Luiz Eustáquio (PSB), vice-presidente da Comissão de Igualdade Racial e Combate ao Racismo do Recife e vereador mais antigo na frente da pasta, reafirmou seu compromisso na defesa dos direitos do povo negro. Ele destacou que continua lutando e denunciando na tribuna os excessos e abusos cometidos contra essa população.
“Eu quero ver um dia em que o povo negro seja respeitado da mesma forma que as pessoas de outras cores. Não quero nada a mais do que ninguém, apenas ser respeitado como cidadão brasileiro, como cidadão recifense”, afirmou.
Conselho
Visando fortalecer a articulação entre os municípios e o Governo do Estado no combate à desigualdade racial, o Conselho Estadual de Política de Igualdade Racial, desativado desde 2021, voltou a ativa no ano passado. A iniciativa busca unir esforços para promover ações mais efetivas e integradas contra a discriminação racial. No mesmo período, foram realizadas reuniões do Fórum de Gestores da Política de Igualdade Racial (FORGEPIR), que fortalece o diálogo entre o estado e os municípios.
Já em um contexto de acolhimento das vítimas de racismo no Estado, o Governo de Pernambuco lançou, às vésperas do Dia da Consciência Negra, o Núcleo Antirracista da Ouvidoria. O projeto oferece suporte e orientação a quem sofre com o racismo e outras formas de preconceito racial. Para ampliar a visibilidade do trabalho, foi criada a campanha “Pernambuco pelo Fim do Racismo”, que conscientiza a população sobre a importância do combate ao racismo e destaca as ações do Núcleo.
As denúncias recebidas pela Ouvidoria são encaminhadas ao Setor de Igualdade Racial, que entra em contato com os denunciantes para iniciar o processo de acompanhamento, garantindo que cada caso seja devidamente encaminhado e resolvido.
As ações de combate à discriminação racial também incluem a capacitação de servidores públicos para promover uma cultura organizacional antirracista. Realizadas pela equipe de Gestão da Igualdade Racial, essas formações já beneficiaram mais de 400 servidores de diversas secretarias, com foco em letramento racial. Entre abril e maio, está prevista a capacitação de mais 100 funcionários públicos da gestão estadual.
Recife Sem Racismo
Criada em 2022 pela Prefeitura do Recife, a plataforma Recife Sem Racismo é a primeira do País, entre prefeituras, dedicada a denúncias de crimes raciais. O serviço pioneiro acolhe vítimas, encaminha casos às autoridades e fornece dados para políticas de igualdade racial. Além disso, busca promover formação e conscientização sobre a temática étnico-racial.
“Desde o lançamento da plataforma foram aproximadamente 116 denúncias, e é interessante ver o avanço desse canal à medida que chega ao conhecimento da população. No primeiro ano foram apenas quatro denúncias, só no primeiro mês de 2025 recebemos seis solicitações. Entendemos que esse aumento é fruto da divulgação da plataforma, mas temos a certeza que há muitos casos subnotificados, por isso nossa ideia é ampliar as ações de informação deste canal”, explicou o secretário de Direitos Humanos e Juventude do Recife, Marco Aurélio Filho.

A plataforma chamou atenção, inclusive da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. “A ministra, inclusive, pretende replicar essa plataforma em todo o Brasil com o apoio do Ministério. Estamos prontos para compartilhar essa tecnologia e ampliar as políticas públicas antirracistas”, completou.
O secretário de Direitos Humanos e Juventude do Recife, Marco Aurélio Filho, destacou que o combate ao racismo no município passa por políticas públicas de educação e ações afirmativas. Ele ressaltou que, em 2023, o prefeito João Campos sancionou a Lei de Cotas, garantindo a reserva de 30% das vagas em concursos públicos e seleções simplificadas para negros (pretos e pardos) e indígenas.
“Neste ano, fortalecemos as ações da Campanha Recife Sem Racismo no Carnaval, divulgando, de forma lúdica, as formas de denúncia”, afirmou o secretário. Segundo ele, a atuação também se estendeu aos estádios de futebol, como na semifinal entre Santa Cruz e Sport, diante da crescente ocorrência de práticas racistas no esporte.
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