Por Inácio Feitosa*
A capa do meu mais novo livro traz uma cadeira vazia. Uma cadeira simples, gasta e solitária – como as que tantas vezes encontrei nas salas das escolas municipais do Brasil. Essa cadeira vazia simboliza décadas de atraso: crianças sem diagnóstico, professoras sem apoio, famílias exaustas, políticas improvisadas e um Estado que sempre chega tarde.
É o retrato cru do “antes”, daquilo que a inclusão nunca conseguiu ser. A cadeira vazia revela omissão, distância e invisibilidade. Ela denuncia, em silêncio, um país que fingiu não ver o óbvio: milhões de crianças esperando por aquilo que sempre lhes foi direito.
Leia maisMas o meu livro, Crianças Invisíveis: Quando a inclusão bate à porta da prefeitura, que será publicado pela Editora IGEDUC, não se limita a denunciar. Ele apresenta o caminho possível. Pela primeira vez, organizamos quarenta protocolos oficiais de inclusão educacional e quarenta ferramentas operacionais que substituem improviso por método, dúvida por clareza e medo por segurança.
Entre esses instrumentos estão o Plano Pedagógico Individualizado, que documenta o primeiro olhar técnico da escola; o Protocolo de Avaliação Inicial, que identifica as necessidades reais da criança; e o Plano Educacional Individualizado da Criança, que reúne metas, estratégias e adaptações para garantir aprendizagem real.
A eles se somam o Registro de Ocorrência Protetiva, que dá segurança jurídica e pedagógica; o Mapa de Regulação Emocional, que prevê crises antes que aconteçam; a Matriz Técnica de Apoios Pedagógicos, que define adaptações concretas; e a Matriz Técnica de Apoios Humanos, que determina, com responsabilidade, a necessidade e a carga horária de cuidador, monitor ou mediador.
Essas ferramentas existem porque não podemos mais pedir a professoras que façam sozinhas o impossível. Não existe inclusão verdadeira em escola que trabalha sem diagnóstico, sem formação, sem apoio emocional e sem proteção institucional. O país precisa admitir que não fracassou por falta de leis, mas por falta de estrutura. A inclusão não se sustenta em frases de efeito. Sustenta-se em método, rotina, registro, responsabilidade e coragem.
Essa arquitetura também foi criada porque os municípios carregam o Brasil nas costas. A União legisla, promete, publica documentos técnicos e discursos generosos, mas não entrega equipes multiprofissionais, não garante financiamento contínuo, não fornece sistemas de diagnóstico precoce, não sustenta o Atendimento Educacional Especializado e não acompanha a realidade concreta das escolas. Quem acolhe a criança é o município. Quem escuta a família é o município. Quem enfrenta a crise é o município. Quem responde ao Ministério Público é o município. Quem ampara professores é o município. Quem sustenta a inclusão é o prefeito, a prefeita, a diretora, a professora e o cuidador.
Por isso, defendo prefeitos e prefeitas. Eles não são culpados pelo que falta; são heróis silenciosos pelo que fazem. Eles não erram por negligência; erram tentando acertar sem apoio. Eles não falham por incapacidade; falham porque a estrutura federativa brasileira empurra tudo para o nível municipal sem entregar condições mínimas. É por conhecer essa verdade que escrevi este livro. E é por isso que o Instituto IGEDUC – que não lança apenas um livro, mas um movimento – decidiu entregar ao país uma nova imagem: a cadeira colorida e honrada do Prêmio Município Amigo da Inclusão Educacional (TEA e TDAHs).
Essa cadeira – a do prêmio – simboliza o “depois”. Ela é o oposto da cadeira vazia da capa. Não está gasta: está viva. Não está esquecida: está celebrada. Não está abandonada: está elevada. Ela não denuncia ausência; ela anuncia compromisso. A cadeira da capa mostra o problema; a cadeira do prêmio mostra a resposta. A primeira pergunta “por que ninguém está aqui?”. A segunda pergunta “quem terá coragem de ocupar este lugar?”. A transição de uma cadeira para a outra representa mais do que metáfora visual: representa a travessia do Brasil entre o abandono e a ação.
E o país precisa dessa travessia. Para isso, precisamos sensibilizar a classe política, que deve compreender que inclusão não é marketing, é método. Sensibilizar os Tribunais de Contas dos Estados, que precisam abandonar a leitura meramente formal e compreender o impacto humano das decisões. Sensibilizar os Ministérios Públicos, que não podem atuar apenas na emergência judicial, mas também na construção de políticas duradouras. Sensibilizar as famílias de crianças com TEA e TDAH, que tantas vezes choraram sozinhas, sem saber se estavam errando ou acertando.
Sensibilizar os governos estaduais e o governo federal, que historicamente deixaram os municípios sozinhos. Sensibilizar o Legislativo, que pode transformar boas práticas em políticas de Estado. Sensibilizar o Judiciário, para que decisões bem-intencionadas não sobrecarreguem as escolas. Sensibilizar a OAB/PE, que tem papel decisivo na defesa dos direitos das crianças. Sensibilizar a imprensa, que pode romper o ciclo de silêncio. Sensibilizar a sociedade, porque inclusão não é caridade – é justiça.
É também urgente sensibilizar os professores. Não existe inclusão verdadeira sem professor protegido, formado e emocionalmente seguro. Todo professor precisa ter clareza de que não está só. Inclusão não pode ser uma exigência, mas uma parceria real entre gestão, equipe técnica, família e território. O professor não deve carregar sozinho a responsabilidade do Estado.
E, ao final, sensibilizar o país para uma verdade simples e inegável: quando o município ocupa seu lugar, a inclusão ocupa o país.
E quem disse que seria fácil? Incluir nunca foi fácil. Reconstruir nunca foi fácil. Transformar nunca foi fácil. Mas está acontecendo. E ninguém poderá alegar desconhecimento: o Brasil não aceitará mais cadeiras vazias. As cadeiras que prefeitos e prefeitas precisam ocupar já estão diante deles. As cadeiras que o Estado brasileiro precisa assumir já estão prontas. As cadeiras que nossas crianças merecem já estão preparadas. Agora é unir forças, ampliar vozes e convocar consciências.
Se existe um legado que desejo deixar com este livro e com esta cadeira é este: nunca mais permitir que uma criança fique de pé, invisível, aguardando que alguém assuma a responsabilidade que sempre foi de todos nós. O Brasil não precisa ser perfeito; precisa ser valente. E valentes são aqueles que ocupam as cadeiras certas, no momento certo, pelo motivo certo: nossas crianças.
Nenhuma cadeira vazia. Nenhuma criança invisível.
*Advogado, mestre em Educação pela UFPE, fundador do Instituto IGEDUC e presidente do ICE – Instituto Confraria da Educação
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