Por José Adalbertovsky Ribeiro*
MONTANHAS DA JAQUEIRA – Séculos e séculos, o semiárido do Nordeste brasileiro foi castigado pelo flagelo da seca. Parecia uma maldição eterna como fenômeno climático sazonal. São Pedro, o regente das nuvens, acompanhou durante séculos o sofrimento dos sertões. O xique-xique, o mandacaru, o cacto e os juazeiros resistiam bravamente. A asa branca, as ararinhas-azuis e as onças pintadas clamavam a misericórdia dos céus.
Aconteceu uma evolução biológica revolucionária na fauna e na flora, tipo um Big Bang sertanejo: o cruzamento do xique-xique, o mandacaru, a jaguatirica, as onças pintadas e a asa branca, fez surgiu a espécie do Homo Sapiens Sertanejorium, segundo o cientista criacionista Charles Darwinovsky. O Sapiens Sertanejorium tem a resistência do mandacaru e a valentia das onças pintadas.
Leia mais“O sertanejo é, antes de tudo, uma flor de mandacaru”, costuma dizer o influencer Euclides da Cunha, autor de Os Sertões, em suas redes sociais, ao apoiar minha tese criacionista sobre o Sapiens Sertanejorium.
Os criacionistas vermelhos inventaram a fake news de que os Sapiens são descendentes dos sapos barbados e o Homem Sapo é analfabeto de nascença. Eu não creio nesta teoria marxista.
A grande seca de 1877 a 1879 ficou na história como a tragédia que resultou na morte de 600 mil nordestinos, dizimou os rebanhos de gados e outros animais de criação. As pessoas e os animais morriam de fome, seca e inanição. Não havia política pública para amparar os flagelados, eles só dependiam da caridade pública. Os efeitos perversos da seca continuaram ao longo de décadas no século seguinte.
Impactado pelos horrores da seca, o Imperador Dom Pedro I fez a declaração histórica: “Não restará uma única joia na Coroa, mas nenhum nordestino morrerá de fome”. Na real, o Imperador tinha muitos poderes no reinado, mas não tinha o poder de substituir São Pedro no reino do céu. Esta certamente foi a maior catástrofe do Império e da história do Brazil.
Em 1975 a cidade de Recife foi atingida por uma grande cheia provocada pelo transbordamento da barragem de Tapacurá, em São Lourenço da Mata. O governador do Estado era José Francisco de Moura Cavalcante. O general-presidente Ernesto Geisel aprovou a ampliação do sistema de barragens e Recife livrou-se das enchentes.
Uma nova grande seca assolou os Estados nordestinos nos anos 2000 a 2002. A falta de água causou a morte de mais de 100 mil cabeças de gado. Houve crise de desabastecimento de gêneros alimentícios. A redução das chuvas afetou as hidrelétricas, com apagões e racionamento de energia.
A construção de obras de infraestrutura hídricas, barragens, adutoras, irrigação e transposição de bacias do São Francisco e políticas públicas mitigaram o flagelo das secas sazonais. Mas o problema ainda persiste em menor escala. A era dos retirantes, felizmente, ficou no passado.
Obra de arte primorosa e pungente, o quadro Os Retirantes, de Cândido Portinari, projeta os mortos-vivos da seca, crianças esquálidas, família maltrapilha e sem destino, num céu de desolação. Guernica, de Pablo Picaço, expressa o protesto surrealista contra o horror do bombardeio nazista na guerra civil espanhola de 1937.
Brasileiros de todas as regiões hoje pranteiam os mortos, desaparecidos, desabrigados e desvalidos da tragédia no vale das lágrimas do Rio Grande do Sul.
*Periodista, escritor e quase poeta
Leia menos