Por Roberta Soares – JC
Um estudo preliminar conduzido pela Vital Strategies, Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Ceará (UFC) e Instituto Cordial, iniciado há um ano, trouxe à tona resultados que exigem atenção e cautela na expansão do projeto Faixa Azul para motocicletas em vias brasileiras.
Embora muitos motociclistas relatem maior sensação de segurança, os dados preliminares indicam um cenário complexo e contraditório, especialmente em referência aos sinistros de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo o CTB e a ABNT) e excesso de velocidade.
O levantamento foi motivado pela identificação de que análises importantes não estavam sendo consideradas em relatórios anteriores compartilhados com a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), necessitando de métodos mais robustos para essa sinalização inédita no País.
Leia maisCENÁRIO DE RISCOS ESCONDIDOS E CONTRADIÇÃO NOS DADOS
Os resultados iniciais do estudo não permitem concluir, de forma geral, se a política da Faixa Azul reduz mortes ou lesões no trânsito. Essa é a principal conclusão do estudo e que justifica a cobrança por cautela na expansão nacional do projeto.
No entanto, a análise segmentada revela tendências distintas e preocupantes. Foi identificado um aumento de 33% nos sinistros com motociclistas nos cruzamentos, locais que são tradicionalmente mais críticos em termos de risco viário. Em contraste, houve uma redução de 33% nos sinistros nos meios de quadra, os trechos entre cruzamentos.
O estudo aponta que, apesar de muitos motociclistas sentirem-se mais seguros ao trafegar em um espaço sinalizado, essa percepção não reflete o risco real, que é ampliado pela alta velocidade, especialmente nos cruzamentos.
Os dados preliminares, baseados em uma amostra de 190 km de vias, são considerados consistentes e estáveis, e não devem sofrer grandes alterações no relatório final previsto para setembro, que abrangerá 240 km.
FAIXA AZUL ESTIMULA VELOCIDADE

Um dos dados mais alarmantes do estudo refere-se ao comportamento dos motociclistas em relação à velocidade. O monitoramento revelou que 7 em cada 10 motociclistas ultrapassam o limite de velocidade nas vias com Faixa Azul, um comportamento de risco significativamente mais comum do que em vias sem a sinalização, onde apenas 1 em cada 10 adota essa conduta.
O estudo evidencia que o excesso de velocidade aumenta a chance de sinistros e a gravidade das lesões.
“Mais velocidade significa menos tempo para reagir e maior gravidade nas lesões das vítimas envolvidas.
Essa combinação é crítica, especialmente em áreas com travessia de pedestres e conversões de veículos. Definir e fortalecer uma estratégia de fiscalização de velocidades nas Faixas Azuis é imprescindível”, alertou Ezequiel Dantas, diretor de Vigilância de Lesões no Trânsito na Vital Strategies.
Diante dos dados obtidos, o estudo reforça que os resultados preliminares não apontam para uma recomendação imediata de expansão em larga escala do projeto, pois o aumento do desrespeito aos limites de velocidade torna os motociclistas ainda mais vulneráveis.
A Vital Strategies, diante dos achados, recomenda cautela na expansão em larga escala do projeto Faixa Azul, além de sugerir a melhoria na forma como sinalizações experimentais são avaliadas no país e o reforço na fiscalização de velocidade. Diferentemente de modelos bem-sucedidos na Malásia e Vietnã, onde as pistas para motos são fisicamente separadas, o modelo paulistano não possui segregação física, o que aumenta a complexidade dos riscos.
Para o Professor Mateus Humberto da USP, que fez a apresentação do estudo durante a Conferência Nacional de Segurança Viária – realizada esta semana em Brasília – o estudo, que utiliza uma metodologia científica reconhecida globalmente (Diferença-nas-Diferenças), demonstra que as diretrizes que temos no País para avaliar novas soluções em segurança viária não contemplam métodos robustos para medir, de fato, o impacto dessas inovações.
“Nas vias com a Faixa Azul, 70% dos motociclistas ultrapassaram o limite de velocidade quando o tráfego estava livre, enquanto que esse percentual caiu para 10% no cenário das vias sem faixa. O que nos leva a concluir que, a Faixa Azul pode oferecer segurança quando separa o motociclista do tráfego de veículos, mas ela também estimula a velocidade”, afirma Flávio Cunto, professor do Departamento de Engenharia de Transporte da Universidade Federal do Ceará (UFC), instituição que também integrou o estudo.
CAUTELA PARA EXPANDIR É O PRINCIPAL RESULTADO DO ESTUDO

Flávio Cunto reforça que a Faixa Azul é uma política experimental que ainda não possui evidências consolidadas. Por isso a cautela. “Seus impactos precisam ser melhor estudados para que haja uma regulação adequada, visando a preservação da vida. Os riscos aumentados nos cruzamentos questionam potenciais ganhos de produtividade que a Faixa Azul possa trazer, com a segurança sendo uma condição essencial”, pontua.
E segue fazendo alertas: “Quando se implanta uma motofaixa o recado é de que estamos abraçando esse tipo de veículo e estimulando que mais pessoas usem, o que pode ser um perigo, principalmente diante dos números de sinistros de trânsito que temos visto no País com condutores e passageiros de motocicletas”, diz.
Flávio Cunto reforça que a Faixa Azul é uma política experimental que ainda não possui evidências consolidadas. Por isso a cautela. “Seus impactos precisam ser melhor estudados para que haja uma regulação adequada, visando a preservação da vida. Os riscos aumentados nos cruzamentos questionam potenciais ganhos de produtividade que a Faixa Azul possa trazer, com a segurança sendo uma condição essencial”, pontua.
E segue fazendo alertas: “Quando se implanta uma motofaixa o recado é de que estamos abraçando esse tipo de veículo e estimulando que mais pessoas usem, o que pode ser um perigo, principalmente diante dos números de sinistros de trânsito que temos visto no País com condutores e passageiros de motocicletas”, diz.
“O principal achado é que existe potencial de melhoria, mas a proposta têm pontos que precisam ser enfrentados e discutidos com mais calma”, reforça.
O relatório final, previsto para setembro, trará análises detalhadas por tipo de usuário e gravidade dos sinistros, além de recomendações para critérios mínimos de avaliação de sinalizações experimentais.
DESTAQUES DO ESTUDO:
- O estudo aponta que ainda não é possível concluir que a Faixa Azul, de forma geral, reduz mortes e lesões de trânsito.
- Sinistros em cruzamentos: aumento de +33,5% nos sinistros com motociclistas.
- Sinistros nos trechos entre cruzamentos (meios de quadra): diminuição de 33,1% de sinistros com motociclistas.
- Excesso de velocidade: Nas vias com Faixa Azul, 7 em cada 10 motociclistas circulam acima do limite de velocidade, um Comportamento de risco muito mais comum do que nas vias sem Faixa Azul, onde apenas 1 em cada 10 adota essa conduta.
- Amostra: resultados preliminares com 190 km, com ampliação prevista para 240 km no relatório final de setembro.
Diante dos dados, a Vital Strategies recomenda:
- Cautela na expansão em larga escala do projeto “Faixa Azul”
- Melhorar a forma como as sinalizações experimentais devem ser avaliadas no País.
- Reforço na fiscalização de velocidade, sobretudo para motociclistas nas Faixas Azuis.
NOVAS AUTORIZAÇÕES PARA IMPLANTAÇÃO DA FAIXA AZUL ESTÃO SUSPENSAS
A Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) suspendeu, pelo menos por enquanto, possíveis autorizações para que novos municípios testem a Faixa Azul. Segundo o secretário Nacional de Trânsito, Adrualdo Catão, até o momento, as únicas cidades que possuem portarias que regulamentam a implementação do projeto experimental são São Paulo, Recife, Salvador, São Bernardo do Campo e Santo André.
E, mesmo assim, algumas não implantaram ainda, como é o caso do Recife, que teve duas autorizações e até agora não implantou nenhuma Faixa Azul. Outros municípios como Diadema (SP), Matão (SP), Betim (MG), Belo Horizonte (MG), Fortaleza (CE) e Porto Alegre (RS) pediram para testar o projeto.
“O Código Brasileiro de Trânsito (CTB) prevê a possibilidade de municípios e estados testarem novas sinalizações de trânsito, mas a Senatran é o órgão responsável por autorizar isso”, explicou Catão.
Segundo o secretário, os técnicos da Senatran vão analisar os dados dos relatórios enviados pelos municípios para entender os efeitos da faixa exclusiva para motos sobre o trânsito.
Em seguida, a secretaria vai definir se vai ou não autorizar mais experimentos. “A análise também será essencial para definir se a faixa será regulamentada oficialmente pela Senatran e demais estudos, como o da USP, UFC e Vital, também vão pesar na decisão”, garantiu.
RECIFE TEVE DUAS AUTORIZAÇÕES PARA IMPLANTAÇÃO DA FAIXA AZUL PARA MOTOS
O Recife foi autorizado pela Senatran a testar em quatro corredores viários da cidade, as polêmicas Faixas Azuis para motos, as motofaixas que vêm sendo testadas desde 2022 em São Paulo.
O teste das motofaixas foi autorizado para importantes vias da cidade. A Avenida Norte e a Estrada do Arraial, na Zona Norte da capital; o Viaduto Capitão Temudo, que integra o Complexo Viário Joana Bezerra e é um corredor de transporte que conecta a Zona Norte e a área central com a Zona Sul; e a Avenida Recife, que conecta as Zonas Sul e Oeste da capital.
A Prefeitura do Recife, via a Autarquia de Trânsito e Transporte do Recife (CTTU), nunca explicou as razões de ter solicitado as autorizações e não ter iniciado os testes com a Faixa Azul para motos na cidade.
Leia menos