Por Marcelo Tognozzi*
Os maiores derrotados na eleição espanhola do último domingo (23) foram os institutos de pesquisa.
As previsões publicadas pelos principais veículos de comunicação indicavam uma vitória do PP (de centro-direita) – o qual dependeria dos votos da direita conservadora do Vox para conseguir maioria de 176 deputados e formar um novo governo. A tendência da centro-esquerda comandada pelo PSOE, unida à esquerda radical do partido Sumar, era de derrota na eleição.
Leia maisA realidade das urnas mostrou que nada era o que estava parecendo ser. As pesquisas falharam mais uma vez, como falharam nos Estados Unidos em 2020 e no Brasil no ano passado. O resultado foi um empate, que pode acabar em uma nova eleição no fim do ano. Um impasse, porque a centro-direita não consegue negociar apoios para formar governo e a centro-esquerda precisará da boa-vontade dos independentistas catalães para continuar no poder.
Será um preço alto demais entregar a Catalunha ao facilitar seu processo de independência ou, na melhor das hipóteses, não criando problemas para que seja consumada a quebra da unidade do país. Uma Catalunha independente abriria o caminho para a desunificação da Espanha, fazendo o país retroceder 550 anos, ao tempo em que a Península Ibérica era um aglomerado de reinos e idiomas.
Foi a união dos reinos de Aragão e Castela, com o casamento dos reis católicos Fernando 2º e Isabel, que permitiu a formação da Espanha, um país unitário forte o suficiente para retomar os territórios conquistados pelos árabes 700 e tantos anos antes. Com a tomada da Andaluzia, último bastião árabe, inaugurou-se uma era de prosperidade e afirmação da Espanha como potência.
Foi do rio Guadalquivir, que corta Sevilha, de onde partiu, em 1519, a expedição de Fernão de Magalhães, a 1ª a dar a volta ao mundo. Mesma Sevilha onde Cristóvão Colombo está sepultado na Catedral. Os 2 navegadores são símbolos de um império cujo desmantelamento começou com as guerras napoleônicas e terminou no fim do século 19, quando os espanhóis perderam Cuba e as Filipinas para os Estados Unidos.
A unidade espanhola foi sendo consolidada ao longo do século 20. O país tem o espanhol como língua oficial, mas também se falam os idiomas catalão, galego, aranês, asturiano, aragonês e euskera.
Na ditadura de Franco, a unidade se impôs pela força. Foram 39 anos de governo forte até a redemocratização no fim dos anos 1970, quando a Constituição espanhola passou a respeitar a autonomia de cada região, mas sem abrir mão da unidade.
Enquanto em praticamente toda a Espanha a unidade tem sido vista como um ativo, uma riqueza, na Catalunha o movimento separatista ganhou força.
Em 1º de outubro de 2017, a região fez um plebiscito na marra – que acabou sendo considerado crime, com seus líderes presos e condenados pela Justiça. O governo socialista do PSOE anistiou os rebeldes e manteve seus direitos políticos. O líder maior, Carles Puigdemont, ex-governador da Catalunha, fugiu para a Bélgica e se refugiou numa mansão em Waterloo.
De um sistema bipartidário – comandado pelo PSOE de centro-esquerda e pelo PP de centro-direita –, a Espanha se tornou multipartidária, com partidos regionais surgindo aqui e ali, num fenômeno parecido com o ocorrido no início do século 20.
A consequência natural foi o surgimento de governos de coalizão, os quais normalmente têm maiorias frágeis. Em junho de 2018, por exemplo, bastou que o pequeno PNB (Partido Nacionalista Basco) desse 5 votos ao PSOE para que Mariano Rajoy, do PP, fosse apeado do governo.
Agora, depois de 5 anos de governo do PSOE, o resultado das eleições de domingo meteu a Espanha numa encruzilhada. O empate entre as duas principais forças políticas traz dois fantasmas: o do franquismo (com o Vox) e do separatismo (com Puigdemont).
As dificuldades dos dois lados podem levar a uma nova eleição, mas ainda é difícil prever o que vem por aí. A única certeza é que o mês de agosto, normalmente quentíssimo no verão ibérico, será uma verdadeira fervura.
*Jornalista
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