Por Antônio Lavareda*
No mundo atual, há perto de cem milhões de pessoas privadas da memória, por doenças, que a neurofisiologia apurou, destruíram suas conexões mentais, suas sinapses, deixando seus neurônios perdidos num emaranhado de proteínas betaamilóides, que lenta e inexoravelmente apagaram a identidade dos indivíduos e lhes roubaram a condição de sujeitos do seu destino. Apesar dos bilhões de dólares investidos, as farmacêuticas ainda não conseguiram oferecer ao mundo um remédio comprovadamente eficaz, uma cura para esse mal que se alastra.
Nos últimos anos, a medicina tem apostado suas fichas na prevenção, com destaque para o exercício sistemático da memória. Exercitá-la, a ciência concluiu, é o melhor caminho para não perdê-la.
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Essa placa, senhoras e senhores, outra coisa não é senão um sinal, um sinal forte, como se fora uma bandeira, um painel luminoso, uma sirene de alerta. Um estímulo significativo, um convite insistente para a coletividade dessa Casa, para todos que por aqui passam e passarão, para fazerem, de quando em quando, um exercício de memória. Um outro tipo de memória. Memória coletiva, dos que viveram, e dos que vieram e aprenderam, e dos que virão depois.
Os nossos nomes inscritos nela – o sofrimento de Eneida, de Marcelo, Marlene, Leonardo, dos Josés , e tantos mais – servem apenas para simbolizar, com a especificidade do tempo e do lugar, as feridas produzidas pelo arbítrio. Representam os muitos outros brasileiros vitimados pelo regime discricionário em que o país foi mergulhado a partir de abril de 1964. Foram pelo menos 20 mil sequestrados, presos, torturados. Foram mais de dois mil exilados e banidos. Foram mais de quatro centenas de mortos e desaparecidos. Foi toda uma geração censurada e amordaçada.
Um país posto à deriva por duas décadas, para ao final ser devolvido à vida democrática apenas quando sua economia estava em frangalhos, com inflação que ultrapassava 200% ao ano, endividado com FMI e mais 750 bancos internacionais, e com seu último governo desmoralizado por não cumprir os sucessivos acordos de renegociação da dívida externa. Só então, nesse estado falimentar, quando até o empresariado que a apoiava tinha desistido dela, a Ditadura cedeu à pressão da sociedade.
Esse período, dos mais lúgubres da nossa história, não pode cair no esquecimento. Temos assistido nos últimos anos a emergência de uma ultra direita populista vigorosa, o que não é diferente de muitos outros países do mundo. Na América do Sul se multiplicam os exemplos. Mas aqui há uma singularidade que salta aos olhos. Essa vertente extremista traz no cerne a nostalgia do regime militar, e na sua galeria de heróis conhecidos torturadores. Isso explica, em boa medida, os discursos de ódio nas redes sociais, a violência explícita no 8 de janeiro, tentativas e planos de golpe prevendo a eliminação física de autoridades da República.
E o que tornou essa nostalgia possível? A resposta é simples. A transição para a democracia que tivemos, diferente de outras nações do continente, excluiu a responsabilização e o julgamento dos responsáveis pelo período de arbítrio, permitindo aos radicais de hoje reelaborarem como fábula dourada para seus seguidores a narrativa de um período sombrio.
Exatamente por isso, as incertezas que nos afligem hoje, mais que recomendar, elas exigem que esse passado seja revisitado. Que os mais jovens voltem para ele sua curiosidade e seu senso crítico. Que pesquisem, que analisem, que extraíam suas conclusões. E que as compartilhem com as outras gerações. Entre as conclusões , com certeza, estará o repúdio da maioria a qualquer projeto que pretenda, mesmo que disfarçadamente, repeti-lo. Essa placa contribuirá para isso.
Exercitar a memória coletiva é a chave para não perdê-la. Providência essencial no Brasil atual, porque, caso isso venha a ocorrer, aumentará muito, tal como acontece tristemente com os indivíduos, a chance da nossa sociedade civil ver arrebatada de si a condição de senhora do seu destino.
*Cientista político e advogado
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